quarta-feira, 31 de março de 2010

O PAI PRÓDIGO DE AMOR


Jesus contou uma parábola registrada no evangelho de Lucas que trata da saga de um pai que é pródigo de amor e bondade. Ele conta que um pai vive a experiência de receber um de seus filhos para uma prestação de contas. O filho mais novo lhe pede a parte que lhe cabe da herança, dizendo que vai embora, e, se a herança seria dele mesmo, não havia motivo para esperar até que seu pai se fosse, afinal ele estava precisando daquela herança era naquele momento.
O que se espera é que o velho pai usasse de sua posição de autoridade para dizer não àquele filho insolente. Mas ele surpreende consentindo e lhe dando a parte que lhe cabia da herança.

Uma fala atribuída a Voltaire (1694-1778) diz: “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las”. Uso essa colocação para dizer que há um monte de gente, que independente da gente, pensa e reage de forma bem diferente de tudo aquilo que poderia pensar, dizer, agir, reagir. Em outras palavras ou a gente cria uma margem de possibilidades de surpresas ou vai precisar se aprontar para sofrer muito, porque os filhos, cônjuges, pais, amigos, clientes, pacientes surpreendem positiva ou negativamente.

O filho realmente foi embora para um lugar distante. Lá desperdiçou toda a sua herança vivendo irresponsavelmente. Ele acabou experimentando o sentimento da perda, não somente de seus bens, mas das pessoas que estavam sempre com ele. Ele percebe que as facilidades não são chaves perenes. Nesse tempo, o garoto além de experimentar a fome, coisa impensável para ele, se ver obrigado a mudar de ramo. Ele, que já havia sido fazendeiro, agora tinha que lidar com porcos, não como dono, mas como cuidador.
Numa hora de cesta, depois de se obrigar a partilhar da comida dos porcos, um momento de reflexão acontece na sua mente, e ele trás à memória sua vida na casa do pai e decide retornar pedindo perdão a seu pai. Foi aquele sentimento de mea culpa! Ele percebe que tudo foi uma precipitação, e agora estava arcando com as consequências. Assim como esse garoto, dificilmente não se paga caro uma precipitação.
O fato é que ele se lembra da casa do pai; e nesse instante, o que vem ao coração do garoto não foi a cama quentinha com lençóis limpos ou a riqueza do pai. Não tinha a ver com coisas, tinha a ver com gente. Era seu relacionamento com o pai que lhe fazia mais falta. Sua argumentação foi de relacionamento, não de funcionalidade.

Foi o seu tempo de descobrir que bons relacionamentos não devem ser capitulados, mas nutridos durante toda a vida.
Procurem se lembrar das coisas que aconteceram em períodos passados que representaram uma vida. Nesse período se construiu uma história que não devia ser capitulada. Esses casos devem ser adubados com encontros, telefonemas, e-mails, fotos em painéis, etc., nunca capitulados de forma insensível.

Quando o garoto volta pra casa, encontra seu velho pai de braços abertos e cheio de amor, o que nem lhe deixa tempo para explicações demoradas. Aquela casa estaria em festa. O perdão estava no ar.

Seu irmão não estava em casa, mas logo chegaria. Não chegou. Seu pai vai a seu encontro e descobre que ele não deseja participar da festa de seu irmão. Outra surpresa para o velho pai. Agora, quem surpreende é o filho mais velho.
“Ora”, diz o filho chateado, “desse jeito o senhor está valorizando a atitude irresponsável do garoto!”.
O coração do pai sofre esse evento descobrindo que quando seus filhos vieram a sua presença, um filho vai embora e o outro fica. Ambos pareciam resolvidos. Agora descobre que o filho que ficara em casa, apesar de ser valente no exercício do trabalho, era covarde em relação a tomada de decisões. O filho que voltou acabou conhecendo o coração bondoso de seu pai, enquanto seu irmão, não tinha saído de casa, ou deixado seu pai sozinho, mas ele, o filho mais velho não ficou resolvido. Havia permanecido todo o tempo com essa pendência mal resolvida. Conhecia todo o serviço da casa, mas não conhecia o coração de seu pai. Seus fantasmas não se extinguiram com o labor diário. Precisava de ajuda! Isso parece muito com a expressão davídica que diz: “Enquanto calei, meus ossos se secaram”.

O que faz o velho pai? Ele abre espaço para que o filho mais velho também se aproxime e tenha a oportunidade de sair curado daquele encontro. Nesse caso, a possibilidade de cura só acontece quando há exposição da alma.

É interessante perceber que o pai recebe de coração aquele que resolve voltar, enquanto trata do coração daquele que não está bem resolvido. Esse é o pai pródigo de amor. É misericordioso na raiz da palavra. Ele põe seu coração (cárdio) na miséria (miseris) dos filhos num desejo ardente de perdão e reconciliação.
Esse pai figura o Deus maravilhoso da Bíblia que busca receber e tratar dos corações dos filhos e filhas que se perdem de si e da vida. Ele abre seu coração dá oportunidade para que falemos nossas misérias, nossas queixas.
Ao final dessa parábola, o filho que retorna à casa do pai, é recebido em festa, mas é preciso atentar para o detalhe que não há como dizer que o outro filho tenha se votado para a casa em festa. E, eu creio que isso diz respeito ao chamado de Deus que só quem pode responder sou eu, ou você.
Ele já deu seu recado. Há festa na casa e tem gente aproveitando. Tem gente se divertido livremente. Em outras palavras, só falta você responder ao seu chamado de amor. É sua vez, é sua voz. A escolha é sua, somente sua!

quarta-feira, 10 de março de 2010

PAZ E DESARMAMENTO


Li o livro UMA ÉTICA PARA O NOVO MILÊNIO do Dalai Lama e resolvi compartilhar alguns de seus pensamentos para que possamos refletir juntos.

Estou convencido de que a principal razão para as pessoas acharem que o caminho da não-violência é pouco prático deve-se ao fato de que parece não adiantar nada enveredar por ele, pois a sensação é de desânimo.
A paz não é algo que existe de modo independente de nós, a guerra também não. [...]. A paz do mundo depende da paz do coração das pessoas. O que, por sua vez, depende de todos nós praticarmos a ética, disciplinando nossas reações aos pensamentos e emoções negativos e desenvolvendo qualidades espirituais fundamentais.
Se a verdadeira paz é algo mais profundo do que um frágil equilíbrio baseado em mútua hostilidade, se em última análise depende da resolução de conflitos internos, o que dizer da guerra? Apesar de, paradoxalmente, o objetivo da maioria das campanhas militares ser a paz, na verdade a guerra é como um incêndio na comunidade humana, um incêndio cujo combustível são pessoas vivas. [...] Deixamos de reconhecer que a fria crueldade e o sofrimento são a verdadeira natureza da guerra.
A triste verdade é que fomos condicionados a encarar os procedimentos de guerra como algo excitante e até glamouroso: os soldados marchando com uniformes vistosos (tão atraentes para as crianças), com suas bandas militares tocando ao lado. Apesar de vermos o assassinato como algo terrível, não associamos a guerra com a criminalidade. Pelo contrário, a guerra é vista como uma oportunidade para as pessoas provarem a sua competência e a sua coragem. Falamos sobre os heróis que a guerra produz quase como se o heroísmo do indivíduo fosse medido pelo número de indivíduos mortos. E falamos sobre essa ou aquela arma como uma invenção tecnológica maravilhosa, esquecendo que será usada para mutilar e matar pessoas vivas. Seu amigo, meu amigo, nossas mães, nossos pais, nossas irmãs e nossos irmãos, você e eu. [...].
Mas, para que não se imagine que a paz depende apenas do desarmamento, cabe ainda lembrar que as armas não agem sozinhas. Apesar de serem inventadas para matar, não causam nenhum dano físico enquanto estão guardadas nos depósitos. Alguém tem que apertar o botão para lançar um míssil ou puxar um gatilho para dar um tiro. Não é nenhum “poder maligno” que faz isso. São os homens. [...].
É querer demais que todas as armas sejam eliminadas, pois, afinal, até nossos punhos podem ser usados como armas. E haverá sempre grupos de desordeiros e fanáticos para perturbar os outros. Temos que admitir que, enquanto existirem seres humanos, será necessário encontrar maneiras de lidar com os canalhas. Cada um de nós tem uma função a cumprir nessa questão. Quando nos desarmarmos internamente – refreando pensamentos e emoções negativos e cultivando qualidades positivas-, criamos condições para o desarmamento externo. A paz mundial genuína e duradora só será possível como resultado do esforço interno de cada um de nós.

Dalai-Lama (Uma ética para o novo milênio – Ed. Sextante. Págs 150-154)