domingo, 25 de dezembro de 2011

Sem medo de atualizar conceitos


No tempo agitado em que vivemos somos propensos a nos enfastiar com qualquer coisa que pretenda perdurar de forma hegemônica. O tempo parece tão rápido que as respostas que temos ao nosso alcance parecem ultrapassadas, por isso buscamos mudança que atualizem essas demandas. Foi pensando em respostas atualizadas que elegemos o Lula, um homem de luta sindical, gregário e disposto a quebrar alguns protocolos mesmo no dia de sua posse. Depois foi a vez de Dilma ser eleita à presidência da Republica. Foi uma quebra de paradigma. Os EUA elegeram Obama, um negro com um nome indígena e, descendente de judeu, que ousou dizer que aquele patamar não tinha exclusividade branca.

Essa coisa de mudança, de quebra de paradigma, de ousar repensar parece mais lento na igreja. Não estou dizendo que não muda, mas que isso acontece de forma tão lenta que não consegue acompanhar no mesmo ritmo a história com suas demandas. Em grandes igrejas ainda se consegue sentar em bancos de madeira, outras ainda usam o ornamento dos sacerdotes veterotestamentários. Se essas coisas acontecem, talvez estejam refletindo certa morosidade, ou resistência numa possível releitura da bíblia no que tange à dogmática.

Acho que seria interessante se percebermos que diante de tanta mudança consequente do tempo, as perguntas mudaram, as questões se atualizaram enquanto as nossas respostas prontas e recheadas de chavões, pouco ou nada fazem de sentido correspondente às questões hodiernas.

Harold Kushner em seu livro “O Quanto É Preciso Ser Bom” lembra que quando Deus diz ao recém criado casal para não comer da Árvore do Bem e do Mal levando em consideração que “certamente” morreria, Deus não estaria dizendo necessariamente para não comer, mas para alertar que ao comer, a morte era o evento próprio conseqüente da mudança. O ser humano passaria para outro nível; sairia da ambiência do jardim para se expandir para outros níveis de desenvolvimento. Seria como quem sai da fase infantil para a fase adolescente, e depois se tornar jovem, logo mais, adulto. Então a cada mudança de fase houve uma atualização, ou seja a morte da fase anterior. Isso não acontece como processo negativo, mas como necessário. Paulo, convertido ao “Caminho” cristão percebeu que o tempo passa, e, com ele acontece a mudança no comportamento humano. Ele disse: “Quando eu era uma criança, eu pensava como uma criança, andava como uma criança e agia como criança. Mas agora que já sou adulto devo deixar de lado as coisas de criança.” (1º Coríntios 13.11).

Quando leio a bíblia não a vejo como um manual absoluto de prática religiosa, mas como percepções e anotações próprias de quem, em sua época percebia Deus, a vida e as relações.
Quando veio Jesus, houve uma atualização de conceitos e maneira de encarar as Escrituras diante da realidade. Por muitas vezes Jesus deixou claro que os conceitos dos religiosos estavam desatualizados. Ele argumentava: “Como é que vocês lêem isso?”... “Eu, porém, leio assim e assim”. Outra pessoa que chama atenção para a possibilidade de atualização da leitura bíblica em consonância ao nosso tempo foi Rob Bell em seu ótimo livro “Repintando a Igreja: uma visão contemporânea”, quando fala da nossa capacidade em “ligar e desligar”. Ele diz: “Precisamos continuar reformando a maneira de definir a fé cristã, a maneira de vivê-la e explicá-la”.

A sacada dessa proposta de leitura bíblica não deve nos fazer temerosos de estarmos menosprezando a bíblia, pois ela se atualiza durante a cada pagina e a cada livro. Por outro lado fazemos valer a proposta de uma igreja sempre disposta a reformas, ou melhor, a atualizações. Quem sabe, para os mais ousados seria como preferir ser uma “metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Betesda em Maceió ao lado do Pr. Ricardo e Pra. Gerusa

Prezados Pr. Ricardo e Pra. Gerusa.

Quando o sonho chamado Igreja Betesda nasceu para a vida no ano de 1981, talvez seus primeiros idealizadores não se dessem conta de quão sacrificante, estafante, e mesmo assim, tão gratificante seria o caminho pelo qual homens e mulheres, que optassem pelo mesmo, teriam que percorrer.
Em meio a forte desconfiança e acusações absurdas, vindas à maioria das vezes daqueles mesmos que pregavam o amor em seus púlpitos, logramos êxito em continuarmos vivos, levando a palavra de Deus e Seu evangelho da forma como acreditamos ser legítima. Sempre lutando para nos manter coerentes à realidade e contra as injustiças praticadas por interesses eclesiásticos egoístas.
Como é duro lutar contra quem deveria ter mais escrúpulos do que discursos inquisitórios. Compartilhamos essas dores, Ricardo e Gerusa, elas fazem parte de todos aqueles que um dia tiveram seus olhos abertos para o sonho do qual vocês foram dos primeiros a acreditar. Lutamos as mesmas lutas, somos afligidos pelo mesmo mal, embora em amplitudes e efeitos diferentes. Para exemplificar tal fato basta ver as inúmeras ofensas que cada um de nós, homens e mulheres da Betesda, sofremos por não nos intimidarmos a ordem vigente. Mesmo assim não estamos dispostos a abandonar este sonho. Pelo contrário, ainda mais fortes prosseguiremos.
Contudo, para isso temos que deixar claro que em meio a tão corriqueiras demonstrações de afronta e perfídias, congregamo-nos para declarar publicamente apoio incondicional a sua pessoa Ricardo, e contra o linchamento moral o qual tem sofrido. Confiamos na sua índole, provada ao longo dos anos de incansável serviço para com a Igreja Betesda. Confirmamos nosso desejo de estreitar mais ainda nossos laços. Laços estes visíveis durante nosso último encontro, onde palestras e conversas amigas nos provaram o quanto temos em comum, e o quanto ainda podemos caminhar como verdadeiros irmãos. Por favor, não nos tenha entre aqueles que se enchem de deslealdade, buscando em meio a conversas fraternais palavras para acusações desvirtuadas e cheias de dolo. Antes, logre encontrar em sua memória os sorrisos sinceros e as palavras de admiração, carinho e respeito das quais você é merecedor.
Como membros deste sonho não abrimos mão de sua mentoria e do seu pastoreio. Pensar em Betesda é pensar em Ricardo Gondim, assim como em muitas outras pessoas que fazem parte de nossa história e não podem ser alijadas destas páginas escritas com o suor, a luta, os sonhos e a abnegação de muitos. As polêmicas são parte da história de pessoas que se propõe a trilhar o caminho da justiça, assim também como o caminho estreito do amor e da misericórdia não comporta uma multidão. Porém, ao invés da comodidade que muitos querem, escolhemos o caminho que Deus tem proposto aqueles que têm coragem a responder ao Seu chamado para serem profetas nos nossos dias atuais, como aqueles que Deus levantou outrora. É uma honra servir á Deus com tais pessoas.
Desta forma, queremos contar sempre com sua presença e afeto, sabendo que o povo da Igreja Betesda do Ceará lhe respeita e é grato pelos muitos anos de serviço a Deus e as nossas próprias vidas.
Assinam essa carta
Álvaro Jansen Viana da Silva (Betesda Aldeota)
Anderson Garcêz de Lima (Betesda José Walter)
Antônio Marcelo Lima Oliveira Filho (Betesda Jardim Castelão)
Célia Aderaldo Mendonça (Betesda Barra do Ceará)
Francisco Chagas da Silva (Betesda Conjunto Ceará)
Francisco Eudes Venâncio Cardoso (Betesda Russas)
Francisco de Assis Pereira Fernandes (Betesda Cascavel)
Francisco Flávio de Castro Leite (Betesda Sul)
Francisco Finésio Ferreira de Azevedo (Betesda Cidade 2000)
Francisco José Morais de Souza (Betesda Messejana)
George Sousa Cavalcante (Betesda Antônio Bezerra)
Gilmar Pacífico de Sousa (Betesda Parangaba)
Izaías Alves do Nascimento (Betesda Serviluz)
James Cley Lima da Silva (Betesda Juazeiro do Norte)
José de Souza (Betesda Horizonte)
José Maria Mendes Uchôa (Betesda Serrinha)
Josué Oliveira Gomes (Betesda Maceió)
Leonardo Farias Cruz (Betesda Vila das Flores)
Marcelo Horácio Pedroso (Betesda Granja Portugal)
Márcio Oliveira Cardoso (Betesda Montese)
Mardes Silva (Presidente Betesda Ceará)
Maria Leny Brito da Silva (Betesda Jaguaribe)
Maria Mônica Santana (Betesda Nova Metrópole)
Nino Rodrigues Vieira (Betesda Autran Nunes)
Otacílio de Pontes Lima (Betesda Joaquim Távora)
Paulo de Moraes Filho (Betesda Itapery)
Paulo César da Silva (Betesda Sítio São João)
Paulo Maurício Gonçalves Barbosa (Betesda Messejana)
Roberto Rinaldo Campos Moura (Betesda Crateús)
Rodolfo de Almeida Eloy (Betesda João Pessoa)
Ronaldo Pereira da Silva (Betesda Papicu)
Salete M. Lima (Betesda Joaquim Távora)

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

E se, no final de tudo, descobrisse que não era bem assim?

Aprendemos nos evangelhos: Jesus é o Filho de Deus que se tornou humano nascendo a partir de uma virgem. Nesse tempo uma estrela direcionou alguns magos orientais até a cidade onde Jesus nasceu. Narrativas bíblicas relatam que Jesus realizou muitos milagres curando um monte de gente das mais diversas enfermidades como lepra, cegueira, hidrocefalia, paralisia, coluna, hemorragia, epilepsia... febre e até ressuscitou mortos. É dito que Jesus andou sobre águas, multiplicou alimentos; mudou o tempo... (que mais?). Apesar de todo bem praticado e de toda mensagem de esperança, ele acabou sendo morto numa cruz. Três dias depois ele ressuscitou e se apresentou aos seus discípulos. Dez dias depois esses discípulos testemunham um espetáculo. Jesus ascende aos céus enquanto dois anjos se apresentam e falam com os discípulos dando-lhes esperança confirmativa nas falas anteriores de Jesus de que ele voltaria.

Disseram-nos que nenhum dos historiadores de sua época escreveram uma só linha sobre ele, apesar da menção feita por Flávio Josefo, um historiador do primeiro século, havendo indícios de posteriores inserções cristãs nesses escritos.

O fato é que fomos evangelizados e nos damos conta que somos crentes.

Levando em consideração que você foi evangelizado por seus pais, parentes, amigos, igreja. Você buscou viver uma fidelidade evangélica. Se disciplinou dentro dos conceitos bíblicos. Viveu uma esperança escatológica de arrebatamento para o céu, depois uma vinda em glória de forma visível com direito a céu se rasgando e anjos tocando trombetas. Logo mais um trono branco seria posto para julgamento de todas as nações. Ressurreições em massa diriam que não bastava deixar de existir, era preciso sofrer para sempre devido a más escolhas, enquanto você o todos os crentes seriam salvos do lago de enxofre, sendo chamado para viver eternamente ao lado do bom Jesus, do Espírito Santo e de Deus-Pai. Você creu plenamente nisso tudo.

Mas, se no final você descobrisse que a verdade é que tudo não passou de uma motivação predisposta a lutar em nome daquilo que te disseram ser o melhor.

Lembre-se que foi por crer assim que você se dedicou em fidelidade, abriu mão de cometer crimes, de mentir, de roubar o teu semelhante, de destruir a natureza, de lutar pela paz em casa, na vizinhança e, numa pequena e limitada contribuição, lutou para estabelecer a paz no mundo... Se você se disciplinou e abriu mão de uma motivação egoísta, interesse próprio e olhar umbilicocêntrico... Com essa fé, você se motivou e por isso até mesmo contribuiu de diversas maneiras através de ofertas e dízimos... Por ser crente e acreditar ser o caminho do bem comum, você chegou a ser humilhado injustamente, violentado em sua fé, acabou escolhendo perdoar, muitas vezes com perdão unilateral e sem retorno...

Se no final você descobrisse que tudo, toda a sua fé não passou de um ideal que te estimulasse a viver em paz consigo mesmo e com o seu próximo. Nada de céu, nada de inferno, nada de condenação... Como você acha que reagiria?

Deixe-me simplificar a pergunta mudando o tempo da questão: Que aconteceria em seu coração se fossem retirados o céu e o inferno?

Lembre-se: É possível que, mais do que uma reação a uma suposição, sua resposta seja uma denúncia de si mesmo. E, é provável que sua resposta aponte para seu nível de fé, maturidade e segurança de conteúdos.

Meu objetivo não é fazer afirmação de nada. Nem estou suspeitando de nada. Também não estou sugerindo nada. Estou apenas pontuando a necessidade de atualizarmos a nossa fé. De lermos e relermos as Escrituras e buscar nelas a Vida e vivermos essa Vida de forma digna de um filho de Deus.

E, se no final descobrirmos que não era bem do jeito que pensávamos... Bem... Minha fé me diz que valeu a pena cada esforço, cada oração, cada conversa sobre Deus, sobre a vida, cada poesia, cada perdão, cada luta... e se no final não houvesse recompensa, pela vida vivida, independente de qualquer coisa já valeria a pena. E, se eu, se pudesse, voltaria para fazer tudo de novo... bendizendo Àquele que me proporcionou viver para o bem. Isso tudo já aponta para algo maior que eu, maior que meus sonhos. Tudo isso já apontaria para uma realidade indizível, mas maravilhosamente digna de ser vivida. Eu aposto nisso. Minha oração continua sendo a mesma, continuo chamando Deus de Pai. Jesus continua existindo em minhas conversas a partir de uma dimensão que não consigo perceber em sua grandeza.

E, se no final... bem, não tenho pressa, tenho esperança. Vou deixar o final para o final. Quero viver a vida que me resta e espero vivê-la da forma digna do ser humano que ama apesar das imperfeições, dúvidas, suspeitas e esperança de algo mais.

“Venha a nós o vosso Reino e seja feita a vossa vontade assim na terra como no céu. Hoje e sempre. Amém!”

sábado, 6 de agosto de 2011

A MORTE RETICENCIA A VIDA


Engasgado por um choro que teima o meu coração, sofro a primeira perda de alguém tão próximo, o meu irmão Samuel. Sou o primogênito de onze filhos (contando com dois irmãos de coração) de seu João e dona Lucinda. Nunca pensei que a morte atingisse a nossa família a começar por um dos mais novos.

Entendo a morte como parte da existência, mas não consigo recebê-la com os braços abertos. A perda da companhia com todos os sabores e dissabores, brincadeiras, piadas, comilanças, beberrânças, troca de idéias, etc., não se apagam facilmente ou não nos deixam insensíveis diante da perda de alguém que, para mim sempre foi especial.

Criado em um lar cristão, aprendi a esperar por um dia de ressurreição. É o nosso sonho cristão nutrido a partir da crença de um dia nos encontrarmos outra vez. Mas, no meu sonho egoísta gostaria que acontecesse ao pé da letra o que aconteceu com Lázaro, irmão de Maria e Marta. Estou disposto a retirar a pedra ainda que ferisse minhas mãos e estourassem meus músculos. Poderia lhe tirar as tiras da mortalha e lhe ajudar a vestir uma roupa dos viventes. Talvez isso seja fruto da minha dor de perder alguém que teve seu ponto final de existência humana antes do fim da linha. Foi assim que percebi que a morte reticencia a vida humana, e essa reticência em sua obscuridade nos abala e nos faz sofrer.

A dor cresce, não somente pela perda do meu querido brother, mas ainda pelo sofrimento de meus velhos pais, de meus irmãos e irmãs, cunhados e cunhadas, e toda a sobrinhada chorosa. Preciso de um tempo para chorar em paz e o que me resta agora é contar com doce presença de Deus que deve me cingir com uma força de reação para a vida que continua apesar da dor.

É interessante que me lembro do meu pai me dizendo que a morte não chega sem aviso. Isso acontece desde a primeira dor, a primeira queda, o primeiro cabelo caindo, a primeira dor de cabeça. Mas, e quando não há indícios claros dela chegando devido a idade? Será que ela vem assim mesmo ou é porque não discernimos essas mensagens? O certo é ela não escolhe pelo tempo de vida, nem pela crença ou religião, nem pelo gênero ou poder aquisitivo, apesar de que conforme algumas conversas entre a gente (com o Samuel) entendemos que Aquele que segura a nossa mão desse lado da vida é o mesmo que assim o faz do outro lado. É a nossa fé debatida e confirmada em nossas boas conversas.

Que pena, meu amado irmão, que sendo eu o mais velho sofro ao ver o fim dessa história, mas quero me segurar na boa esperança utópica de que uma hora dessas nos veremos e daremos boas gargalhadas desses tempos!

Eternas saudades!

sexta-feira, 15 de julho de 2011

JESUS PARA PRESIDENTE


Para mim estava claro que o que Jesus desejava de nós não era a obediência submissa a um conjunto estreito de regras, e sim uma abertura mental inteligente e ilimitada que nos permitisse - na vida real, no dia-a-dia da vida americana moderna - tratar os outros como gostaríamos de ser tratados. Gays, judeus, idiotas, ricos, pobres, mulheres, homens, gente de direita, liberais, soldados e manifestantes contra a guerra, talvez até animais - deveríamos ver através do disfarce que estavam usando e chegar ao EU SOU que havia dentro deles. Era isso. Esse era o grande mandamento, eu tinha quase certeza.
Mas não sabia como dizer isso a minha mãe, como usar a parábola certa, o símbolo correto, a frase ideal. Por isso a envolvi com o braço por um minuto e disse:
- Comecei a ler a Bíblia, mãe. Por sua causa.
O que a deixou feliz e não custou nada.

(extraído de "JESUS PARA PRESIDENTE - e se Jesus se candidatasse à presidência dos Estados Unidos?", Roland Merullo. Ed. Sextante, págs 141-142)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A ALEGORIA DA CAVERNA (por Platão)


Imagine um grupo de pessoas que habitam o interior de uma caverna subterrânea. Elas estão de costas para a entrada da caverna e acorrentadas no pescoço e nos pés, de sorte que tudo o que vêem é a parede da caverna. Atrás delas ergue-se um muro alto e por trás desse muro passam figuras de formas humanas sustentando outras figuras que se elevam para além da borda do muro. Como há uma fogueira queimando atrás dessas figuras, elas projetam sombras bruxuleantes na parede da caverna. Assim, a única coisa que as pessoas da caverna pedem ver é este “teatro de sombras”. E como essas pessoas estão ale desde que nasceram, elas acham que as sombras que vêem são a única coisa que existe.

Imagine agora que um desses habitantes da caverna consiga se libertar daquela prisão. Primeiramente ele se pergunta de onde vêm aquelas sombras projetadas na parede da caverna. Depois consegue se libertar dos grilhões que o prendem. O que você acha que acontece quando ele se vira para as figuras que se elevam para além da borda do muro? Primeiro, a luz é tão intensa que ele não consegue enxergar nada. Depois, a precisão dos contornos das figuras, de que ele até então só vira as sombras, ofusca a sua visão. Se ele conseguir escalar o muro e passar pelo fogo para poder sair da caverna, terá mais dificuldade ainda para enxergar devido a abundância de luz. Mas depois de esfregar os olhos, ele verá como tudo é bonito. Pela primeira vez verá cores e contorno precisos; verá animais e flores de verdade, de que as figuras na parede da caverna não passavam de imitações baratas. Suponhamos, então, que ele comece a se perguntar de onde vêem os animais e as flores. Ele vê o Sol brilhando no céu e entende que o Sol dá vida às flores e aos animais da natureza, assim como também era graças ao fogo da caverna que ele podia ver as sombras refletidas na parede.

Agora, o feliz habitante das cavernas pode andar livremente pela natureza, desfrutando da liberdade que acabara de conquistar. Mas as outras pessoas que ainda continuam lá dentro da caverna não lhe saem da cabeça. E por isso ele decide voltar. Assim que chega lá, ele tenta explicar aos outros que as sombras na parede não passam de trêmulas imitações da realidade. Mas ninguém acredita nele. As pessoas apontam para a parede da caverna e dizem que aquilo que vêem é tudo o que existe. Por fim, acabam matando-o.

(De: “O mundo de Sofia”, por Jostein Gaarder. Cia Das Letras, págs 104-105)