sexta-feira, 27 de julho de 2012

Amolecido por ser avô


É incrível como as mães conseguem traduzir (ou seria “interpretar”?) as línguas estranhas de seus bebês. O bebê diz "ahahabjlhgh" e a mãe traduz: “olha, ele(a) tá dizendo que gosta muito de ir à casa da vovó” ou algo parecido.

Isso me fez suspeitar de não ser verdade quando ouvi algo parecido como “vovô” dito pela Sofia, filha da minha filha Nathalia e meu genro Jácson. Procurei não me empolgar, procurei não admitir. Bem que a Cássia me disse, mas a Sofia era tão pequena, tão novinha. Daqui a alguns poucos meses ela ainda completaria seu primeiro ano de idade.

Mas, quando a pouco estávamos de viagem (Maceió/Fortaleza) e ela na cadeirinha comportada no banco traseiro do carro. Não há dúvida. Nesse dia fui brindado com um “vovô” olhando pra mim. Não dá pra me confundir. Foi verdade mesmo. Eu fiquei tão feliz e tão emocionado que entendi que a minha (ou nossa) viagem estava garantida.

Não posso esquecer que um casal amigo (Ivan e Larisse) nos abençoou com o sentimento de sermos avós quando liberaram seus filhos Isabela e do Levi que aprenderam a nos chamar “vovô pastor” e “vovó”. Foi uma experiência maravilhosa como uma entrada degustiva que serviu, tanto pra nós que cobrávamos ao Jácson e Nathalia a vinda da Sofia, como suprindo a ausência dos vovôs Ivan e Ziza (pais do Ivan) e Bezerrão e Zélia (pais da Larisse). Sou muito agradecido a essa gente. Ainda tenho um grande apreço como avô dessas crianças (Isabela e Levi). E, espero tê-los como netos por toda a minha vida.

Com a Sofia foi diferente. Era uma cobrança de sangue, inclusive do próprio Ivan e Larisse como amigos chegados do Jácson e Nathalia. Agora imagine eu ouvindo pela primeira vez a Sofia me chamando de “vovô”. Se já me sentia vovô, agora sou de fato e de direito.

Admito que estou todo abobalhado, mas quem não ficaria? Quem não se sentiria pleno de felicidade? Quem não se sentiria perpetuado pela próxima geração? Quem não se sentiria amolecido pela doçura de uma criança interagindo e se identificando?

Pois é. Sou feliz por ser avô. Amolecido por ser avô. Isso é mais ou menos o que posso explicar. Um sentimento de ser avô.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Sermão do Monte – o cristianismo heróico

(Esse é um texto de Ricardo Gondim)


O cristianismo não deve ser apresentado como uma consolação vulgar, mas como uma promoção do homem… É vocação para viver como filho de Deus, na condição humana plenamente aceita, por conseguinte, para remodelar continuamente o mundo, todas as formas sociais, todas as instituições, de modo que deem uma imagem menos imperfeita do que deve ser uma comunidade de filhos de Deus…

O cristianismo é um chamado ao heroísmo…

Não há vantagem nenhuma, bem ao contrário, em nos determos no cristianismo dolente e lacrimoso que quer apoiar nas “bem aventuranças” os que apreciam o artificialismo nas coisas espirituais. Como se Cristo se dirigisse aqui a almas feridas!… Que falseamento das máximas decisivas pelas quais Jesus condena, sem apelo, a felicidade barata e as alegrias fáceis, dá-nos o sentido de nossa verdadeira grandeza e ensina-nos que é nosso próprio apetite de felicidade que deve ser transformado…

Nietzsche não errou em salientar tudo o que se insinua preguiça, de medo de esforço, de desejo de um repouso covarde, e acrescentaremos, de egoísmo com todas as suas taras, no desejo espontâneo de felicidade mesmo num cristão. A felicidade à altura de uma alma aproximadamente heroica é a única que Cristo oferece aos que querem segui-lo.

O primeiro trabalho do cristianismo é dar-nos, por mais que tenha de buscar-nos, uma alma desse quilate. Assim não se propõe a nós como uma receita para ser infalivelmente feliz, mas como uma iniciação à verdadeira grandeza.


[Y. de Montecheuil – Mélanges théologiques, p. 183 - citado por François Varillon em Elementos de Doutrina Cristã - Duas cidades - 1]


Fonte: http://www.ricardogondim.com.br/perolas/sermao-do-monte-%E2%80%93-o-cristianismo-heroico/

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O servo e o soberano

Matutando comigo mesmo sobre a questão de servir a Deus, me lembrei que sou também um filho dele. Mas, como seria isso? Sou filho ou sou servo? Sou um servo que é filho ou um filho que serve? Sei lá! Uma coisa penso ser verdade. Não creio que me seja exigido uma obediência cega, ainda que leve em conta minha ignorância e sua soberania. Creio na soberania de Deus, mas não o vejo como os soberanos antigos (ou modernos), déspotas inatingíveis e inalcançáveis. Quando leio a bíblia percebo que Deus, consegue abdicar de sua soberania com o firme propósito de se colocar ao nível dos seres humanos, aliás, ele se rebaixa ainda mais e lava os pés de quem ama. E, a quem ele se recusa amar? Quando descubro isso como verdade libertadora, me vejo na condição de filho amado que se dispõe a servir. Não como um servo encabrestado. Apesar da preferência ou única condição (cabresto) de tantos, Deus não parece desejar ser servido à base da imposição ou à custa de cabresto. Deus não nos chama para sermos soldadinhos bem arrumadinhos que sabem do dever de obediência. Foi Jesus quem ensinou que deveríamos chamá-lo Abba, também disse que o Pai, melhor do que nós, sabe como tratar seus filhos. O que me faz obediente (quando o sou) não é o poder de sua soberania, mas o seu terno e doce amor que liberta. Falando nisso, não quero ser reconhecido como um servo de Deus como se isso fosse uma imposição de um soberano intocável, assentado em um trono esperando receber todo louvor e toda honra e toda glória. Prefiro ser percebido por aquele a quem posso chamar Abba-Pai e, percebendo-o como tal, me sentir livre para servi-lo. Vocês lembram do escravo de orelha furada amostrado no Pentateuco? Tal escravo tem em suas mãos a alforria que lhe garante a liberdade, o ser dono de seu nariz, cuidar de sua vida se lixando pro que acontece ou não na casa e ambiência de seu senhor. Mas, digamos que o sentimento e consciência do escravo fosse de que agora que conhece o valor da liberdade, se vê livre para poder servir. Ali estão as pessoas que fazem parte de sua história. Ali estão as pessoas caras de suas relações. Ficar em casa não seria ficar escravo, mas se ver livre para servir, o que equivale a amar. O amor exige por si esforço. A consciência do amor libera disposição para se doar. Foi isso que aconteceu (creio) no coração e cabeça de Jesus em relação ao Pai. E é isso que deve refletir em nossas relações com o Pai e com os outros. Então pega a sovela e fura a orelha, pois isso é sinal da voluntariedade e do despojamento de todas as individualidades. Também é sinal de não aceitar o comodismo da auto-suficiência. Pois quando sou livre para servir, a isso me proponho ou não. Feliz é aquele que se vê livre e, por ser livre serve. E, servindo, se parece mais com o Filho de Deus que não se aproveitando da glória do ser filho, serviu em amor até o fim, o que foi isso que o identificou como verdadeiro filho digno de toda honra.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Percebendo Sua doce Presença

“Vá com Deus, meu filho”. – Diz a mãe chorosa ao se despedir de seu filho.

“Quantas pessoas virão com você?” – Alguém pergunta ao telefone.

“Só eu e Deus”. – Responde o rapaz certo de que não estaria só durante a caminhada.

A dedução de uma conversa como essa resulta em um misto de fé e fuga do medo de uma possível solidão.

Claro que eu creio na presença mística de Deus. Ela é real e independente da matéria. Aliás, essa presença é uma exposição divina e eterna.

Muitas pessoas conseguem sentir a satisfação da presença desse Ser divino. Algo parece sobressair-se ao sentimento de solidão. Algumas vezes essa satisfação é percebida, nos momentos de solitude. Nem preciso explicar sobre a diferença entre solidão e solitude, né? Se a solidão independe a quantidade de pessoas perto de mim, a solitude apenas exige minha vontade de ficar comigo mesmo. Esse tempo é uma porta sensível a essa presença. Os Salmos 42 e 43 parecem dizer isso. Trata-se de um encontro íntimo que nasce com o medo e o abatimento: “Por que estás abatida, ó minha alma? Espera em Deus”. Interessante que num encontro só o poeta articula um diálogo que explora seu interior ávido por socorro enquanto está propenso a uma entrega submissa à Presença até então imperceptível. “Espera em Deus”.

A fé satisfaz a carência do Ser, pois torna possível a sintonia com a doce Presença. Muitas vezes nos sentimos incompletos. Isso se dá porque somos seres gregários e, como é interessante vê que Deus, em sua sabedoria se harmoniza a fim de se dá a conhecer a partir do ser humano. Que quero dizer com isso, senão que essa Presença tantas vezes acontece, mas é imperceptível devido a nossa necessidade de perceber Deus de forma externa, isso é, fora de nós.

Penso que nos equivocamos quando nos fiamos de uma presença externa e, usando o termo da oração, cujo Pai está lá “no céu”. Essa compreensão demonstra a distância do nosso habitat e de nossa realidade. O fato do “Tu dos tus” (GOUVÊIA) que declara a necessidade do outro, não ofusca a realidade da imanência. O céu que parece tão distante quando lido à cor de uma interpretação geográfica perde esse peso à medida quando entendido de um céu cuja dimensão lembra mais uma freqüência invisível, mas real, uma dimensão diferenciada da percepção comum sensorial humana.

Quando penso na presença de Deus estou assimilando como certo o esforço de Deus que se dignifica em se dá a perceber e ao mesmo tempo a conhecer um pouco mais sobre esse mistério.

A encarnação parece dizer isso: 1) O verbo (Palavra) que se torna carne; 2) A carne (gente) concreta que exala glória; 3) Glória que se reflete com graça e verdade. Deus se faz presente, não como um ser divino que nos tira da realidade, mas que encara tal realidade.

Tive a oportunidade de ouvir de um teólogo poeta apaixonado pelo mistério da presença divina dizer: “Busquei Deus fora de mim e não o encontrei. Busquei Deus dentro de mim, mas foi em vão. Busquei Deus no próximo e nos encontramos os três”. Esse é o jeito de Deus de interagir conosco. Deus prefere andar com gente, como gente, e como gente se faz presente no meio da gente.

Facilmente encontramos na bíblia que “ninguém pode ver Deus”. Pois, nesta mesma bíblia podemos encontrar o ensino que é em Jesus que podemos ver Deus.

Mais do que identificar Jesus como Deus encarnado, posso deduzir que a única (ou melhor) maneira que Deus achou para entrar na freqüência humana foi em Jesus, ou seja, se “hominizando” (BOFF), assim é como ele se revela a nós e nos eleva nessa revelação. Quando Deus quis ser melhor conhecido pelo homem se tornou gente, para que a gente toda se envolvesse nesse ministério de que Deus continua sendo assumido por pessoas que se tornam pequenos cristos, filhos e filhas de Deus. Desse modo a voz de Deus é ouvida através da voz humana, as mãos de Deus são estendidas quando pessoas se dispõem, e o Seu coração se envolve quando nossos corações amam o alvo de Seu amor. Quem sabe não é esse mesmo o sentido dos textos que nos incitam à hospitalidade, já que os antigos receberam anjos pensando receberem pessoas, e por que não dizer pessoas como se fossem anjos!?

Isso também exige de nós maior atenção, já que ao assumirmos a ação do Filho de Deus como filhos e filhas de Deus e do Cristo como cristãos, estamos também assumindo o dever de lutarmos por um mundo melhor, e ainda, garantindo a encarnação de Deus e de seu Cristo numa presença transformadora. Além de percebê-lo no outro, no encarnado com sua imago dei (imagem de Deus). Assim sua Presença é real em cada cuidado ao próximo, cada visita ao necessitado, cada ombro amigo, cada mão estendida. Uma sacada interessante que li em Harold Kushner foi em perceber Deus em toda boa e sincera ação humana. Desse modo, Deus, não somente está encarnado no outro como também soma força de existência que supera toda ansiedade. Sim, é possível lutar por um mundo melhor com a doce presença do Pai que sonha com sua família unida, crescida e transformada vivendo seu amor e mutualidade. É possível, pode sonhar, mas também se importe com essa realidade.