domingo, 31 de janeiro de 2010

O DESAFIO DE RECOMEÇAR




Desde cedo ouvi a bela história de Noé. Hoje vejo que ainda estou aprendendo com ele arte de recomeçar a vida.

A narrativa bíblica de Noé além de interessante é rica em lições apropriadas à perspectiva de uma vida com Deus diante do desafio de seguir adiante.

Sua história se inicia com um testemunho de Deus sobre sua fidelidade e segurança em Deus. O dilúvio havia consumido a vida. A arca era sua realidade naquele instante. Ele precisava sair para reconstruir sua vida e de sua família, mas como?

Creio que Noé entendeu algumas nesse ínterim.



O tempo não tem que ser seu inimigo, mas deve ser reconhecido como seu aliado.

A bíblia diz que “Deus se lembrou de Noé” e o processo começou. Deus não usou (e não usa) seu poder para fazer as coisas pertinentes aos homens de forma instantânea. Ele sabe que precisamos de tempo. Sabe que o instantâneo nos torna superficiais. Isso se aplica aos estudos, declarações de amor ou ódio, nomeações profissionais, títulos, etc. O instantâneo pode parecer bom, mas não é de fato. Deus sabe que você precisa de tempo para assimilar a vida com todas as suas demandas. Isso é preciso ser levado a sério. Recomeçar pode ser um processo lento. Isso demanda tempo, e o tempo é seu aliado, não seu inimigo.



Não se deve tomar decisão antes de uma contemplação.

Observe que Noé (v.6) abre a janela do alto da arca. Nesse momento, a arca era sua realidade existencial e momentânea, não perene. Seu novo tempo não poderia se resumir à arca. Noé ousa e toma algumas precauções. Ele abre a janela e não a porta. A janela ficava na parte alta da arca.
A melhor realização é aquela que é precedida pela contemplação. Antes da realização, é necessário vislumbrar, logo, tomar alguns cuidados, sondar o terreno. Em outras palavras, é preciso ficar de olho naquilo que nos rodeia de forma que não nos precipitemos. Quem sabe não foi por isso que Noé, antes de sair da arca, solta algumas aves aguardando algum sinal para sair para uma nova realidade de vida fora da arca. Quer tomar uma decisão, verifique o tempo, antes de agir, de fato. Mas cuidado. Não se doe num projeto que não consegue vislumbrar. Abra uma janela antes de sair à porta.



Cuidado com os recursos que decide usar.

A próxima ação de Noé é soltar um corvo (v.7). Nem tenho idéia porque Noé usa o corvo para lhe trazer um sinal, já que essa é uma ave com hábitos necrófagos. O corvo zig-zaguea e não define uma resposta para Noé. Nesse resultado impreciso, Noé percebe haver tomado uma decisão errada, por isso ele decide usar outro recurso – soltar uma pomba. Isso pode ser uma lição para termos o devido cuidado em nosso planejamento. Cuidado com que (ou quem) contamos. Claro que isso também denuncia nossa limitação e possibilidade compreensível de errarmos em algum ponto que não corresponde com o melhor para nós. É fácil haver precipitação e acabarmos contando com algo ou alguém que não nos levarão a lugar algum. Muitos tomam decisões sem pesar as conseqüências. Precisamos tomar cuidado com essas coisas. É melhor darmos um tempo para fazermos as coisas com menores chances de erro.



Valorize a espiritualidade em toda a sua caminhada.

É importante perceber alguns detalhes. Para Noé, passar tanto tempo dentro de uma arca cheia de animais, mau cheiro, trabalho pesado, e escravo da situação era uma realidade existencial momentânea, não perene. Aquela era a sua realidade, mas ele sabia que poderia ser bem pior se estivesse do lado de fora. Muitas vezes o jardim do outro é mais belo do que o nosso. A vida do outro parece ser melhor do que a nossa. O outro parece ser bem mais próspero do que nós.

Noé sabe que apesar de tudo parecer tão difícil para ele, Deus lhe inspira através da percepção de sua presença. Noé se planeja, toma algumas decisões (corvo e pombas), mas lhe parece claro que Deus lhe fala no v.15: “Hora de sair dessa arca, Noé”. Em outras palavras: - “Noé, você se sente salvo dentro da arca, mas você precisa avançar para novos horizontes”. Ou inda poderia ter sido: “Noé, se você acha que lhe aconteceu um milagre por ter vencido o dilúvio, saiba que o milagre, antes de ser um benefício é um chamado à parceria e ao trabalho. Na verdade é uma responsabilidade”.

O v. 15 Noé é convidado a unir força comunitária familiar para se expandir.

O que está acontecendo com Noé? Ele está tendo a oportunidade de dar novo sentido à sua vida, agora fora da arca.

Um novo ano não é somente mais um ano, é também um chamado a sair da arca do comodismo. Isso se aplica à vida profissional, aos estudos, à vida com Deus em todos os níveis da existência.
O v. 20 diz que, logo que Noé sai da arca, constrói um altar. Aqui parece haver um belo sinal para quem deseja recomeçar bem.

O ideal é não esquecer Deus no caminho da vida. Apesar de isso não ser garantia que você vai acertar em tudo na vida, já que as decisões são sempre arriscadas, podemos conferir a beleza de poder contar com Deus em nossa caminhada. Noé foi alguém que não acertou em tudo, mas com certeza sinalizou uma vida com Deus.

Uma vida recomeçada em Deus não é uma vida livre de percalços, livre de dores, livre de possibilidade de erros... vida recomeçada em Deus significa que buscamos incorporar seus atributos de amor e justiça, para seguirmos um caminho de maior dignidade.

Noé e os seus sabiam que recomeçar não seria fácil. Essa tarefa não caberia a Deus, mas a eles.
Eles já tinham, assim como cada um de nós, a força e a capacidade necessárias para vencer cada etapa da vida.

Com isso ouso dizer que, se pra vencer 2010 houver a exigência de coragem, força e fé, 2010 já é nosso, porque Deus já nos recheou dessas graças.

Acredite – é possível vencermos os obstáculos desse novo ano.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

"O PASTOR CONTEMPLATIVO"


Acabei de ler “O Pastor Contemplativo” de Eugene Peterson.

Algumas pérolas do livro:

- Jesus, O Subversivo – Jesus foi o mestre da subversão. Até o fim, todos, inclusive os discípulos, o chamavam de rabi. O rabis eram importantes, mas não faziam nada acontecer. Nas ocasiões em que houve suspeitas de que talvez ele fosse mais do que o título apontava, Jesus tentou manter as coisas em segredo: “Nada diga a ninguém”.

A forma de discurso favorita de Jesus, a parábola, é subversiva. As parábolas parecem histórias absolutamente comuns, casuais, sobre solo e semente, refeições, moedas, ovelhas, bandidos e vítimas, fazendeiros e comerciantes. Elas são também inteiramente seculares: dentre as cerca de quarenta parábolas registradas nos evangelhos, só uma tem como ambiente a igreja e só duas mencionam o nome de Deus.

Quando as pessoas escutavam Jesus contar essas histórias, vivam imediatamente que não eram sobre Deus e que não continham nada que ameaçasse a suposta soberania delas. Então baixavam a guarda. Embora perplexas, iam indagando qual o significado das histórias, que ficavam gravadas em sua imaginação. Mais tarde, como uma bomba-relógio, elas explodiam em seus corações desprotegidos. Um abismo se abria a seus pés. Ele estivera falando sobre Deus; eles tinham sido invadidos.

Jesus continuamente lançava histórias estranhas ao longo das vidas normais (para – “ao longo de”; bole – “lançar”) e se retirava sem explicação ou apelos. Os ouvintes começavam, então, a ver as ligações, as conexões de vida, de eternidade. A própria falta de clareza, a diferença, eram estímulos para perceber a semelhança: semelhança com Deus, semelhança com a vida, semelhança com a eternidade. Mas a parábola não realizava o trabalho – ela fazia a imaginação do ouvinte trabalhar. As parábolas não são ilustrações que facilitam as coisas, pelo contrário, elas se não tivermos cuidado, acaba se tornando o exercício de nossa fé.

As parábolas atravessam subversivamente nossas defesas. Dentro da cidadela do “eu”, podemos esperar uma mudança de estratégia, um brandir súbito de baionetas que resulte num golpe contra o palácio. Mas isso não acontece. Nossa integridade é respeitada e preservada. Deus não impõe sua realidade de fora para dentro; ele faz crescer flores e frutos de dentro para fora. A verdade de Deus não é uma invasão alienígena, mas um romance amoroso em que detalhes comuns de nossa vida são tratados como sementes cultivadas para nossa concepção, crescimento e maturidade no Reino.

As parábolas confiam em nossa imaginação, ou seja, em nossa fé. Elas não nos arrebatam paternalmente para uma sala de aula onde as coisas são explicadas e diagramadas. Não nos colocam em regimentos onde nos encontramos marchando a passo de ganso moral.

É difícil descobrir um detalhe sequer na história do evangelho que não fosse negligenciado na época (e ainda hoje) por ser improvável, desprezível, comum e considerado ilegal. Sob a superfície do convencional, porém, e por trás do cenário de probabilidades, cada um daqueles detalhes estava efetivamente inaugurando o Reino: gravidez ilegítima (como foi suposto), nascimento na manjedoura, silêncio em Nazaré, trabalho secular na Galiléia, curas no sábado, orações no Getsêmani, morte como criminoso, água batismal, pão e vinho. Subversão.

(Extraído de "O PASTOR CONTEMPLATIVO - Descobrindo significado em meio ao ativismo", um livro de Eugene H. Peterson. págs 40,41)