quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

UMA VEZ CONDENADO...

É muito conhecida a expressão que aponta para a condição do escolhido, ou do salvo: “Uma vez salvo, salvo para sempre”. A salvação por esse termo seria uma marca que Deus graciosamente dá a alguns, enquanto o restante da humanidade...

Bem, a ênfase é que, se todos estão perdidos, Deus em sua soberania escolhe alguns para a salvação a que não tinham direito porque ele é bom. E feliz é aquele que é escolhido. Perceba que essa retórica é comumente reconhecida pelos que se entendem escolhidos.

Confesso que não simpatizo com esse raciocínio (com esse termo). Mas creio na condição da salvação que é graciosamente operada na fé que se revela salvação eterna em sua condição divina. No mais, pelo que vejo no comportamento de Jesus – que é salvação, é que essa tal salvação é um projeto de múltiplas salvações. Salvação do ser humano como um todo, levando em consideração seus pecados como processo de desumanização. Isso tem a ver com salvação nos mais diversos níveis, nas mais diferentes instâncias (familiar, política, tendência ao egoísmo, intolerância, egocentrismo, etc.). Quer seja uma salvação particular (individual) ou uma salvação coletiva (social). Salvação das e nas relações.

Não podemos esquecer que “o filho do homem veio buscar e salvar o que se havia perdido”. E Ele “não veio para condenar o mundo, mas (veio) para que o mundo fosse salvo por Ele”.

Observe que quem facilmente condena somos nós. Quem estreita o caminho somos nós. Nós é que fechamos a porta, inclusive a porta do nosso coração.

Nesse contexto nos debatemos diante de um problema. Geralmente nós filtramos o outro pelo seu erro, como se o outro se resumisse ao erro, e o condenamos para sempre. Filtramos o outro pelo evento que o maculou, como se esse outro fosse tal evento. Esquecemos que ninguém é o mal feito, a não ser que tal mal tenha se tornado seu estilo de vida. Talvez precisemos enxergar o outro como aquele (a) que cometeu um ato mal e não o mal em si. Não com a personificação de tal mal.

Mas, por favor, me diga:

Você convidaria para uma xícara de café alguém que um dia o traiu?

Você convidaria para levar adiante um projeto seu, alguém que o negou?

Você honraria alguém que o traiu feio, a ponto de tal traição o levar a vivenciar um calvário de sofrimento? 

Pergunto:

Não foi isso que Jesus fez diante da negação, traição e abandono dos seus amigos?

Aliás, sabemos que o amargo sabor da traição está em ser traído por alguém de quem não se espera. Isso porque só somos traídos por quem está do nosso lado, por quem amamos. O inimigo não trai, só o amigo, por isso é doloroso.

Mas, para Jesus, uma vez condenado pelo mau evento, não tem que ser condenado para sempre.

O Pedro que nega Jesus é reabilitado à confiança; ao Judas que na narrativa do evangelho, se lê que ele entrega Jesus aos seus algozes é oferecido o símbolo da honra, o primeiro pedaço de pão (a primeira fatia do bolo, assim como fazemos em nossas festas querendo honrar alguém); à multidão manipulada, fraca que, unida leva Jesus à cruz é lembrada no momento da intercessão, apesar do sofrimento: “Pai, perdoa”.

Esse foi o comportamento assumido pelos discípulos e, devia chegar até nós. Quando alguém trai, traiu, mas não tem que carregar essa mancha de traidor para sempre. Uma vez condenado não tem que ser para sempre. É a opção do perdão ao outro e a si mesmo. Liberar o outro e ficar liberado desse peso. Isso é questão de provocar o outro para que o mal não se torne seu estilo de vida.

Ex: Pedro, tu me amas? Há em seu coração o desejo de acertar o passo? Judas, você está me matando, mas não tem que ser sempre assim. Gente, você me condena, mas devia procurar me conhecer melhor.

Porque uma vez condenado, não tem que ser condenado para sempre. A condenação não pode me definir alguém eternamente como um errado. Apesar de continuarmos passíveis de erro, devemos lutar contra esse mal e seguir em frente. Buscar somar o bem, apostar na paz, perdão e amor.

Uma vez condenado, repense essa condição, porque aquele que assume seu erro e procura acertar o passo, pode alcançar misericórdia. Pode sim se enxergar num processo de salvação.

Uma vez condenado... quer pela justiça, quer pela sociedade, quer pela igreja, ou por outro, acredite – pode sim experienciar a chance de acertar o passo, pode sim ter jeito, e ainda pode ser salvo.

Portanto, não deixe que a condenação imposta a você o defina como um condenado eterno, mas que uma vez condenado, desafiado está a lutar para que esse estigma condenatório se torne em marco de transformação e retorno ao caminho da superação.

Um processo de salvação que se registra como uma nova chance que deve ser aproveitada na sensibilidade do ir e não se condenar novamente, já que Deus prova seu amor para conosco apesar de nós, apesar de nossa condenação.

Uma vez condenado... que bom que ainda posso recuperar minha dignidade pela graça salvadora de Cristo.

MEU PAI, MEU HEROI!

 Sou o primogênito lá de casa. Eu ainda era criança quando meus pais trabalhavam numa fábrica de tecelagem. Sábado era um dia especial para ele e também para nós. Quando pedíamos algum dinheiro, a resposta do papai era sempre: “Só sábado!” Sábado era o dia em que ele recebia parte de seu salário.

 Eu amava quando o papai, no domingo me chamava para ir à feira comprar a galinha para o almoço do final de semana. Ninguém fazia uma galinha melhor do que a mamãe. A mesa ficava rodeada por todos nós e o papai sempre se sentava na ponta da mesa. Era o seu lugar.

 Já nesse tempo, o meu pai era sagradamente o nosso herói. Quem fazia as compras? Quem disciplinava a gente? Quem resolvia as broncas?

 Quando a mamãe dizia: “Vou contar a seu pai.”, mais do que o medo da disciplina, nós nos conscientizávamos da proporção do mal feito.

 Além de tecelão, meu pai fazia trabalhos de encanador hidráulico e serviços básicos de eletricidade. Eu me sentia grande quando ele me chamava para ajudá-lo.

 Ainda hoje gosto muito de uma expressão que costumava dizer: “Nem tudo é perfeito, mas tudo o homem pode aperfeiçoar!”.

 Ainda me lembro de quando em alguns serviços de eletricidade, na falta de uma escada, ele se punha sobre uma mesa e de repente eu ouvia: “Cuidado, não toque em mim, porque estou cheio de choque!”. Cara, meu pai era muito poderoso. Aguentava choque elétrico. Papai era sem dúvida meu herói.

 Mas fui crescendo e me emancipando. Precisava de espaço. Precisava seguir meu caminho. Com isso, ele não deixou de ser meu pai e nem eu deixei de me sentir seu filho.

 Nesse tempo eu já percebia que ele não era o “poderoso” que imaginava. Eu havia construído uma imagem mitológica. Mas é interessante lembrar que o encanto que tinha pelo meu pai não havia diminuído. Eu estava começando a me atualizar naturalmente em relação a meu pai.

 Eu precisei admitir a verdade de que meu pai não era o todo poderoso do jeito que imaginava. Pelo menos, não por suprir a casa junto à mamãe, nem por ser criativo, por trabalhar ou educar seus filhos. O suposto poder do meu pai não estava no fazer de pai, mas em ser PAI.

 Enquanto eu crescia e amadurecia, ele foi se revelando ou eu o fui percebendo humano com emoções, vontades, disposição para liberar seus filhos para viverem suas respectivas vidas.

 O papai não diminuiu em nada no meu conceito. O que aconteceu foi que ele me possibilitou dentro de meu amadurecimento a ver seu “poder” através de outras lentes. Meu problema estava no que entendia sobre ser poderoso ou ter poder. Não se constatava a falta de poder, mas no que consistia esse poder.

 Foi então que perdi o medo de me frustrar por sua suposta falta de poder. E, era isso que me fazia crescer e seguir adiante. Aquele que segurava na minha mão para que atravessasse a rua com segurança, agora me fazia perceber que eu podia acreditar no valor a mim legado. Eu podia caminhar com minhas próprias pernas.

 Gente, isso tem tudo a ver com a relação que tenho com Deus. Na bíblia, Paulo disse que quando era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino, mas, quando se tornou homem, ele passou a se comportar de acordo com o homem que se havia tornado. Nosso comportamento infantil não deixou de ser nossa história. De acordo com o tempo e o entendimento nesse tempo, tudo valeu a pena, valeu o feito, mas o tempo passa. Foi o que aconteceu, passou. A vida segue seu curso. O leque das percepções se abriu. As responsabilidades nos chama. E, nós vamos crescendo, nos atualizando e, vivendo novas realidades.

 A figura que fazia de Deus como uma entidade celestial com todo poder, que resolvia meus pepinos e que eu o chamava para dar um jeitinho para que fosse chamado no emprego e que me livrava de todos os acidentes, também não diminuiu ao perceber seu poder por outras lentes. Tal conceito de poder foi revisto. Com isso deixei de ver Deus de forma intervencionista personalizada para perceber a ação maravilhosa de Deus na nossa história que se concretiza à medida de nossa sensibilidade e amadurecimento. Foi em Jesus que entendi Deus no humano, sendo o verdadeiro humano; se mostrando bem humano.

 Para mostrar o quanto aposta no crescimento humano, Jesus disse: “Aquilo que faço hoje, vocês só compreenderão depois”. Depois quando? Na oportunidade de crescimento, sensibilidade e amadurecimento.

 Então, é maravilhoso perceber que Deus não foi diminuído na figura de Jesus. Na verdade, Ele foi evidenciado. Isso mostra o quanto Deus ama o humano e o quanto ele é a fonte de nossa divina humanidade. E, é assim que nos tornamos mais parecidos com o Pai, o meu, o nosso Pai herói.