domingo, 26 de dezembro de 2010

PORQUE FIZ AS PAZES COM PAPAI NOEL


(Texto originalmente de Hermes Fernandes no seu blog: http://www.hermesfernandes.com/2010/12/porque-fiz-as-pazes-com-o-papai-noel.html)



Acabo de chegar de uma cantata numa igreja hispana em Deltona, Florida. Devo admitir que aprecio muito a atmosfera natalina. Gosto de ver as casas enfeitadas, os shoppings lotados, o corre-corre, a mesa farta, a troca de presentes, e até… o Papai Noel. Isso mesmo que você acabou de ler. Sou fã do bom velhinho. Tive minhas desavenças com ele anos atrás, pois julgava que estava usurpando o lugar de Cristo. De um tempo pra cá, fiz as pazes com o velho Noel. Antes que alguém me esconjure, deixe-me explicar.


Gosto de ver as casas enfeitadas, porque nesta época do ano elas se tornam mais aconchegantes. Os olhos da criançada brilham enquanto vêem a mãe enfeitando a árvore com penduricalhos e pisca-pisca. Quem não tem uma boa lembrança da infância quando chega este período do ano? Aqui nos Estados Unidos dá pra gente saber quem é cristão ou não pela maneira como a casa é decorada para o Natal. Geralmente, enchem-nas de pisca-piscas ao redor da casa, luzes coloridas, presépios, bonecos de neve, veados e alces, trenós, etc. Quando uma casa não é enfeitada, presume-se que ali more uma família judia, ou hinduísta, ou de qualquer outro credo, ou mesmo, sem credo. As casas iluminadas contagiam a vizinhança de um clima de celebração. Aqui em casa reunimos os filhos para ajudar na decoração. Esta semana, enquanto eu e Tânia armávamos o pinheiro de natal, lembrei-me de que foi o grande reformador Martinho Lutero quem começou esta tradição. As bolas representavam o fruto do Espírito Santo. O pinheiro foi escolhido porque é a única árvore a sobreviver à estação do inverno nos países onde ele é mais rigoroso sem perder a folhagem.


Por que gosto de ver os shoppings lotados? Não seria isso um culto ao consumismo? Que tal deixarmos um pouco o radicalismo de lado? Primeiro, por conta da explosão de vendas, a indústria e o comércio podem empregar mais gente. A economia do país melhora. E quanto à motivação que leva multidões às compras? Não seria a generosidade, uma vez que a maioria vai aos shoppings para comprar presentes? Não seria isso inspirado no exemplo dos magos que ofertaram ao menino Jesus os seus tesouros? Mesmo que gaste parte do sermão natalino pregando contra o espírito consumista predominante nesta época, gosta de receber presentes ao término o culto. Em vez de criticar quem gaste parte de seu orçamento com lembrancinhas, por que não incentivar que pelo menos uma parte dos presentes seja dada aos mais necessitados? Você sabia que é nesta época que as crianças que vivem em orfanatos recebem mais visitas e presentes? O Natal consegue despertar o melhor que há nos homens.


Gosto de mesas fartas. Alguém aí prefere ver famílias que distribuem seus filhos entre casas de vizinhos e parentes, ou simplesmente vão dormir mais cedo por não terem condição de montar uma mesa com as iguarias natalinas? Não confunda isso com glutonaria! Em vez de criticar, líderes poderiam incentivar os fiéis a não desperdiçarem comida, distribuindo para os moradores de rua no dia seguinte. Toneladas de alimento vão pro lixo um dia depois do natal. Isso é que deveria ser condenado.


E quanto ao Papai Noel? Quer saber por que fiz as pazes com ele? Porque cheguei à conclusão de que não será uma figura imaginária que ameaçará a supremacia de Cristo no Natal. Já houve quem até satanizasse o velinho. Uma igreja na Inglaterra chegou a dizer que o seu nome em inglês seria um anagrama do nome "Satan". Isso porque seu nome em inglês é Santa Claus, devido à tradição que o associa a São Nicolau. Na mente fértil desta turma, Santa, como geralmente é chamado pela criançada, seria na verdade Satan, bastando trocar a letra “n” de lugar. # Peloamordedeus! Imagina se o meu Jesus ficaria enciumado por causa de um personagem fictício, que no imaginário popular representa generosidade! Por que não usar a própria figura do Papai Noel para anunciar a Cristo às crianças? Seria muito mais produtivo do que simplesmente demonizá-lo. Imagine alguém fantasiado de Noel numa comunidade carente, com o saco cheio de presentes pra criançada, de repente, antes de distribuí-lo, ele anuncia que o verdadeiro presente de Natal é Jesus, dado por Deus aos homens para que tenham vida eterna.


Cristo jamais foi ameaçado por personagem algum. No Natal há lugar para os magos do Oriente, para os pastores de Belém, para o anjo Gabriel, e pra tantos outros personagens bíblicos, inclusive o malévolo rei Herodes. Noel entra de penetra, mas é bem-vindo. Apesar de ser associado a Nicolau, um cristão primitivo que prezava as crianças, tornou-se num ícone natalino através de uma campanha da Coca-cola nos anos 30. Antes disso, ninguém o reconheceria vestido com aquela roupa vermelha, botas pretas, saco de brinquedos e trenó.

Dito isso, desejo a todos os meus leitores um Natal repleto de alegria e contentamento no Espírito. E que os cristãos não sejam vistos como estraga-prazeres, e sim como aqueles que têm motivo extra pra festejar.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

ORAÇÃO


Uma das maneiras de saber o que pensamos sobre Deus é ver alguém orando ou falando sobre oração.

Não gosto de algumas expressões que enfraquecem o ser humano criado à imagem e semelhança divina. Tais expressões descaracterizam o ser humano e seu relacionamento com o Pai. Digo isso porque muitas expressões como “oração forte”, “Deus só atende no devido tempo”, “Deus livra os seus”, “Deus se obriga a responder a oração do fiel”, “Quanto maior o número de pessoas orando, mais Deus se presta a ouvir e responder”, etc., além de serem inverdades, contradizem a graça de Deus dispensada a todos, enfeiam o cristianismo e empobrecem a oração.

A oração não deve ser uma bandeira hasteada que identifica um divino movido à fidelidade ou quantidade de orantes, pois, além de não sermos fiéis e dignos dessa resposta, o Deus da Bíblia mostrado por Jesus, não parece mesquinho.

Orações que buscam a aquisição e não a transformação parece o encontro que choca o velho pai ou avô que, quando chega, seu maior desejo é receber um abraço da criança e, o que encontra é a cobrança daquilo que poderia ter trazido em suas mãos.

Já conheci um tanto de gente que Deus é como um pai que representa apenas a providência mensal.

Não estou dizendo que não creio que coisas maravilhosas possam acontecer. Deus é um ser surpreendente, mas não devemos nos relacionar com ele prioritariamente no âmbito do utilitarismo.

Mais do que mão, Deus é coração, amor, relação e presença.

A oração, antes de perceber a mão, percebe o coração.

Sabe por que oro?

Oro porque a oração é a melhor parte da vida cristã com sentido.

Oro porque a oração é o caminho místico de amizade com Deus.

Oro porque a oração é o entrosamento de corações que se entrelaçam em cumplicidade eterna apesar de termos como contar o tempo.

Oração não pode ser e nem é técnica e ferramenta que mexe o braço de Deus. A oração é nosso jeito de aquietar a alma e sentir o amor de Deus entendendo o ser “Emanuel-Deus conosco”.

A oração antes de ser uma prática com hora marcada é um estilo de vida que aprende a caminhar com Deus no dia-a-dia. É como passarmos o dia com alguém que amamos e sabermos que está conosco, e quando necessário trocar idéias, desabafar, expor crises, chamar para chorar junto... coisas do tipo que limpam a alma e mostram dignidade na relação.

Se pararmos pra pensar melhor, veremos que de tanto andar com uma pessoa, acabamos parecendo com ela. Imagino que conheceremos alguém que anda com Deus quando ela se parece com Jesus.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

LIÇÕES DO ENCONTRO DE JESUS COM A MULHER SAMARITANA (João 4)


(Imagem de ailtonpastor.blogspot.com.br/Carvalho de Justiça/Artista plástico)

Grande texto aquele narrado no evangelho de João capítulo quatro que fala do encontro de Jesus com uma “mulher samaritana”, né? Fico pensando no quanto, assim como aquela mulher, sofremos nossos dilemas espirituais e como é possível sermos restaurados por Jesus.
Há quem diga que o poço do encontro ficava nas redondezas da cidade de Sicar (em Samaria), e o horário do meio dia não era conveniente para alguém ir buscar água, isso demonstra que aquela mulher estava com sérios problemas de ordem pessoal e social. Quem sabe, seria por causa de seu histórico de haver passado por cinco relacionamentos e, pior, o atual era socialmente condenável! É chato, mas muitas pessoas vivem os mesmos dilemas. São pessoas que são estereotipadas pelo currículo de desencontros. Muita gente não consegue manter um relacionamento e acaba se percebendo e sendo apontada como descartável. Imagine essa situação no primeiro século de nossa era. Pois é, pior é que, não muito diferente daquele tempo, nosso machismo ainda impera e muitas mulheres sofrem a pecha do preconceito quando o relacionamento não dá certo. Esse preconceito e silente culpabilidade nutrem no comportamento das mulheres um azedume desmedido que grita como fuga esquivante na possibilidade de ser ferida novamente. “Como tu, sendo judeu, me pede água?”.
Ela não consegue ver uma pessoa do sexo masculino sedento, mas, quem sabe, mais um a se aproveitar de sua situação fragilizada e em plena solidão do lugar. Mas, que bom que ali estava o (um) verdadeiro filho de Deus que não se aproveitou do ambiente facilitador para um flerte, antes viu uma possibilidade de contribuir com sua cura de alma. Esse comportamento de Jesus em contribuir para uma nova percepção de vida deve ser também o nosso comportamento – produzir vida e possibilidade de renovo nas pessoas que percebemos como alvo da misericórdia divina.
Sim, por que será que Jesus se refere a “água viva”?
Jesus está certo de que aquela mulher precisa de ajuda. A mulher busca a água (do poço) numa percepção diferente da dele. Ele precisa de água pra matar a sede física, e ela pra resolver seu problema interior (espiritual). Perceba que quando ele usa a expressão “água viva” ela reage fazendo apologia a possível força mística da água do poço. Numa paráfrase poderia ser assim: “O senhor quer dizer que tem água mais poderosa do que essa? O senhor sabe quem cavou esse poço e quem bebeu dessa água? Foi o pai Jacó, o patriarca da aliança”. Ao que Jesus replica: “Olha minha cara senhora, note que com todo esse poder místico, você continua com problema relacional. A verdade é que seu problema é outro e qualquer tentativa de busca nos termos místicos dessa água é apenas paliativa. Você já teve cinco tentativas frustradas e já está se envolvendo pela sexta vez e seu coração está indo de mal a pior”.
Igual aquela mulher nutrimos a mesma idéia de vincular a resposta aos nossos anseios mais profundos a um poder místico tangível. Esoterismo verificável no uso de sal grosso, velas, flores, altares, imagens, tapetes, óleo (de preferência com o rótulo de Israel), etc.
A mulher diz: “Tá bom, pois me dê dessa água e meu problema se resolve”. Veja que esse estágio nos lembra de como somos pobres em nossas percepções e como nossa ansiedade por solução nos torna frios diante de Deus. Queremos as mãos de Jesus, seus benefícios, mas ainda não percebemos que há uma busca mais nobre do que a possível força do braço de Deus – o seu coração relacional. Jesus se revela a mulher lhe mostrando o quanto quer se envolver em seus dilemas mal resolvidos. A situação pode sim encontrar resposta num encontro com Deus, mas a beleza está no processo de restauração que admite, inclusive não ter resposta concreta pra esses dilemas. O texto termina nada revelando sobre o desfecho de seu relacionamento, e nem precisa, pois, mais do que a resposta para um problema em qualquer segmento de nossa vida (conjugal, financeiro, etc.) o que nos incomoda é a ausência de quem nos sacia a sede da alma. Quando temos essa sede (que é confundida com questões físicas) somente Deus nos compreende e nos valoriza. Outra coisa, pessoa, objetos sagrados apenas nos são paliativos.
“Falando em sede espiritual, me diga de onde Deus responde orações, onde se pode adorá-lo ou onde se encontra Deus?” pergunta a mulher a Jesus. E, logo ele responde com maestria dizendo que Deus é Espírito e como tal que ser encontrado. O que me chama a atenção em Jesus é que ele, diferente de nós, ele não indica o caminho de uma religião particular onde Deus pode ser encontrado. Não houve proselitismo em sua conversa com a mulher. Ele deixa claro que como Deus é Espírito, não cabe em nenhuma religião. Não cabe em nenhuma cartilha religiosa. Deus não é propriedade privada de nenhuma religião ou igreja. De acordo com Jesus ele, Deus espera encontrar pessoas sinceras em sua fé, o percebendo nos encontros “casuais” com quem antes de levantar a bandeira de uma religião ou denominação, se é que precisa, levanta a proposta de restauração do ser como tal. Deus, segundo Jesus, procura encontrar pessoas que o adorem em espírito e em verdade. Talvez dizendo que devam viver sua fé com razão.
A mulher samaritana vê em Jesus um profeta, aliás, um vidente – alguém com capacidade de ver o que não está às claras. Era assim que os profetas antigos eram conhecidos. Outra coisa, aquela mulher entende que há um sonho utópico de que no final, tudo se resolve. Nos termos do texto ela diz: “Eu sei que o Messias (chamado o Cristo) virá”. Gente, por que nossa visão é tão embaçada e não conseguimos enxergar o que está diante de nós. Jesus disse tantas vezes e com tanta firmeza que o reino de Deus, também conhecido na bíblia como reino dos céus, ou na expressão joanina “vida eterna” já é uma verdade aqui e agora? Está claro que Jesus declarou àquela mulher que a vida, o sonho, a realidade da reconciliação não deve ser esperada, mas vivida no hoje, no já. Não digo que o futuro não aguarda grandes surpresas, mas vejo em Jesus a realidade do hoje. Então, não deixe pra viver a vida plena amanhã, mas hoje, senão você acaba se acostumando a viver o adiamento de seus sonhos.
Não dá pra ficar da mesma forma depois de tanta revelação. Algo lindo está acontecendo em seu interior. E como ela reage bem! Aquela mulher que praticamente recheada de medo da sociedade que lhe aponta o dedo, agora volta e sem temor fala sobre sua nova experiência. Numa paráfrase seria assim sua mensagem na cidade que havia sido o palco de seu sofrimento: “Venham, conheçam Jesus. Ele vê nosso sofrimento e nos dirige ao caminho de restauração”. E, como teve fruto essa sua experiência repassada na sua comunidade. Eles acabam conhecendo Jesus e declarando também haver tido experiências próprias com ele.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

TEMPO


Era um cooperador na igreja que queria apenas ser obreiro, o obreiro queria ser diácono para ter a honra de servir a santa-ceia.


Era um diácono queria ser presbítero, e o presbítero queria ser pastor para ter um ponto de pregação e ganhar almas para Jesus.


Era um pastor que queria abrir uma igreja e ter alguns membros, que logo quis ser bispo, ter pastores sob sua ordenança e ter uma mega igreja.


Com o tempo passou a desejar ter várias outras igrejas, ir para o rádio, para a TV e não se contentou mais em ser bispo, queria ser apóstolo e comprar um avião para viajar o mundo levando a "sua" pregação.


Hoje ele não quer ser apenas apóstolo, quer ter autoridade de patriarca, quer ser infalível e dominar o mundo.




E Jesus?


Jesus quis apenas ser SERVO!
E para ele o tempo não passou, continua sendo servo até hoje.




Pense nisso.

FONTE: http://cultodiferente.blogspot.com/2010/07/tempo.html

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

SALVAÇÃO


É preciso aprender a nadar entre as margens do bem e do mal, do ódio e do amor, da delicadeza e da estupidez. É preciso aprender a flutuar; encher os pulmões de nitrogênio e acompanhar o vôo dos balões. É preciso também acocorar-se ao lado dos irmãos que foram agrilhoados à crueldade da vida.

É preciso aprender a levar-se a sério. Mas não tão a sério que fique impertinente, malas sem alça. Tem hora que é bom viver sem propósito, ao sabor dos ventos. Cantar no coral das cigarras, enquanto formigas seguem em fila, sem saber porque obedecem à rainha. Vez por outra é bom considerar Deus um “cara muito legal”, compreensivo e longânimo, que não mete medo, mas nos faz sentir íntimos.

É preciso aprender a acordar tarde; a comer chocolate até enjoar; a comprar perfume caríssimo para dar de presente a alguém especial; a sentar para almoçar sem hora para acabar; a desligar o telefone celular; a conversar um monte de besteira só para rir à solta; a conversar com doido; a ler romance.

É preciso aprender a falar da morte, mas não ser mórbido; a acompanhar esportes, sem ficar muito deprimido com derrotas; a aplaudir trapezistas, equilibristas, contorcionistas, mágicos; a nunca confundir solidariedade com comiseração; a não esconder a inveja debaixo do lençol da discordância; a cantar no banheiro.


Soli Deo Gloria

Fonte: http://ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=65&sg=0&form_search=&pg=4&id=2161

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

E Deus com isso?


Acho que não há dúvida que “tudo” é permitido por Deus. É fácil conferirmos isso através das notícias sobre a violência urbana, e sobre as mais diversas catástrofes naturais. De fato, não vemos nenhum movimento sobrenatural de Deus impedindo de forma concreta esse ou aquele fato. Sequestros, estupros, terror, morte covarde de crianças, jovens e adultos já nos sobejam nos noticiários.

Outra coisa que podemos afirmar que nem todo mal é mal em si. Sabemos que a tsunami foi um horror (mal) porque no seu trajeto muitos foram vítimas humanas. Uma enchente de um rio que levou centenas de casas e fez muitas vítimas assim ocorreu, não porque a enchente em si é um mal, mas por causa dos vitimados. Da mesma forma os tremores de terra acontecem, não por causa do homem, mas por causa das placas tectônicas. Isso nada tem a ver com o que é bom ou mal, a não ser quando sofremos.

E Deus com isso? Há algumas nuances observáveis nessa argumentação. Deus não deve ser responsável pela catástrofe como mal lançado contra os humanos maus, pois seria injustiça contra os “bons” que sofrerão de graça. Não creio que Deus mate a granel.

A presença do mal como sofrimento pode também ser vista como liberdade humana, logo amor de Deus. Deus “permite” tudo porque nos deixa livres para viver nossas escolhas. Há aqueles que escolhem a facilidade de moradia perto de vulcões pela beleza do lugar, aqueles que foram morar (escolha ou falta dela?) perto do açude ou rio para servir ao patrão entre o curral e a casa grande, aqueles que por um motivo ou outro moram em lugares com freqüência de catástrofes, e ainda aqueles que em nome da fé derrubam aviões. E Deus permite? Sim, quem pode afirmar que não? Ele permite e sofre com tudo isso, basta lembrar que ele não agüentou nem ver seu filho sofrendo na cruz (Por que me desamparaste?), – identidade de nossos sofrimentos que, afinal, ele os levou sobre si.

Por outro lado, é claro que não duvido de seu poder, mas duvido que esse poder não seja expresso nas raias do amor. Porque, quem sabe esse todo-poderio não seja apenas mais sofrimento em nome de sua soberana escolha de amar, por isso nos deixar viver nossos dilemas enquanto nos convida a cuidar de nosso planeta?

sábado, 31 de julho de 2010

NÃO APAGUE O EVANGELHO DA CRUZ


Tenho muita dificuldade de compartilhar de um culto onde a bandeira mercantilista está hasteada. Não suporto esse apelo que mais parece um canto de sereia de tão atraente que é nesse nosso veio capitalista cristão. Em vez de humildade, temperança, contrição, adoração... estamos ensinando técnicas de oração de conquista. Que tipo de gente estamos formando em nossa geração? Teríamos coragem de declarar que a igreja de hoje está gerando gente de fé? De onde veio nossa coragem de pinçar versículos que apóiam de forma inescrupulosa um triunfalismo esdrúxulo e desprovido de verdade no dia-a-dia de milhões de pessoas que se tornam presas fáceis pela avidez de seus corações ou por causa de suas carências. Infelizmente cresce o número de profetas que usam o nome de Deus para respaldar seus absurdos (pode ler abusos). Pior é que há um sufoco pelo apelo e prela pressão da necessidade de respostas que tragam luz para a demanda reivindicatória de resultados imediatistas.

O modelo da fé mercantilista em seus muitos apelos solidificados na necessidade das ovelhas carentes, que não se dão ao luxo de serem guiadas por pastores que, por sua vez não se dobram ao preço da amostra grátis da fé, promove uma ambiência satisfatória e persuasiva ao mesmo tempo paliativa, porquanto superficial e enganadora. Quem não gostaria de ganhar sete vezes mais depois de recitar uma oração mágica e fazer um depósito bancário em nome de uma instituição que garante inescrupulosamente, que coisas maravilhosas estão acontecendo? É difícil para muitos não caírem nesse apelo covarde. Isso nada tem a ver com fé. Isso nada tem a ver com Jesus de Nazaré, e nada tem a ver com o objetivo da igreja cristã.

Será que, por isso não acredito em Deus? Será que não tenho fé? Será que sou desviado? Será que fiquei cético? Claro que não. Claro que acredito no Deus da bíblia. Creio que esse Deus age como sempre agiu na história humana. Acredito num Deus que responde orações. Acredito na possibilidade de cura e na paz que enche o coração abatido. Creio na justiça para os oprimidos e providência divina que antes mesmo de cairmos na balela da luta para conquistar algo dEle, já houve um sentido de seu cuidado em relação a nós. Creio na palavra que diz que Ele já nos concedeu em sua graça toda a sorte de bênção. Somos abençoados até mesmo em nossas tribulações. Por isso há vocacionados nas mais diversas áreas do fazer humano (homo faber) que é capaz de ser parceiro de Deus na construção humana. Não consigo crer na busca materialista gananciosa e egocêntrica como prova de fé, nem na satisfação ufanista de ser filho e filha do Rei, quando por isso estou livre das surpresas da vida.

Tremo em pensar que a palavra de Deus, bem como termos gospels do tipo “Deus é fiel!”, “Deus é maior!”, sejam motivados não pelo apelo catafático de declaração positiva de quem Deus é, mas motivados apenas pelo sentimento de uso do próprio Deus em causa própria ou, pelo menos, como uma espécie de amuleto que determine a vitória e o poder de “amarrar o inimigo da minh’alma”.

A proposta cristã é a formação do caráter e da convicção de que Deus é vivo e verdadeiro em toda e qualquer situação. O problema de um cristão criado a partir do apelo gospel mercantilista é que este está fadado a viver o medo da perda pelo engodo da barganha com Deus.

Está na hora de percebermos que o cristão criado à sombra do evangelho da cruz, que a despeito das dificuldades, nunca se sente frustrado nem desapontado, pois sabe que seu Redentor vive e que por fim se levantará em sua história como resposta de restauração prometida àqueles que nascem à margem da cruz. O cristão deve saber que como filho ou filha de Deus, ainda que não haja lugar na hospedaria ele(a) não teme vir ao mundo, apesar dos conflitos, traições, abandonos, incompreensões, e, mesmo sabendo que seu próximo passo pode ser a cruz, até essa cruz pode ser palco de sua revelação de filho ou filha de Deus e, é aí onde o poder do Pai se aperfeiçoa em sua limitação humana.

Meu Credo


Creio no que existe e no que me faz existir;
Creio em um Deus que vai além da minha condição, e me ama antes mesmo de ser amado;
Creio e somente creio;
Creio, e arrisco devaneios de minha mente sincera e discreta ao se apresentar;
Creio em direções e contradições que a vida revela;
Creio no outro como agente de um Deus Uno e Trino. Afinal eu sei todo ser humano. Pode ser um anjo[1];
Creio em mim e deixo de acreditar a cada erro;
Creio nos que acreditam em falhas;
Creio nas ações e reações do ser humano;
Creio no otimismo e o pratico com gentileza;
Creio que da solidão podemos encontrar certezas para viver a felicidade;
Creio nas condições de existência que eu mesmo criei;
Creio nos que professam verdades com humildade;
Creio no amor ao próximo como essência e existência do Cristianismo;
Creio em um Deus que dança. E ouso a descordar de Nietzsche[2];
Creio da dança como expressão do corporalidade;
Creio no ser mulher como expressão de sensualidade e amor;
Creio na sedução que fazemos e sofremos;
Creio e apenas creio na felicidade, que só é alcançada por aqueles que crêem nela;
Creio na vida e em sua infinitude. Afinal tenho valores e ações eternas;
Creio na eternidade, mas admito que a brevidade da vida me intriga a viver cada vão momento[3];
Creio no "Carpe diem"[4];
Creio nos amigos e em suas falha;
Creio na juventude e em sua eternidade expressa em fatos e ações;
Creio, e somente creio que a vida vale mais quando aprendemos a ser humanos;
Humanos que em demasia sofremos, choramos e morremos;
Creio nas altas gargalhadas como exorcista de uma alma ensanguentada pelo sofrimento;
Creio na verdade de ser mortal e ainda assim viver eternamente;
Creio tão somente creio que outros pensem diferente, que vivam diferente;
Creio na inspiração que tenho, e nas poesias que escrevo;
Creio na realidade das coisas que me rodeiam, e das que estão por ai;
Creio nas criaturas divinas e na condição de humanidade nos dada;
Creio no ser Humano como imagem de um Deus amoroso;
Creio na família e em sua essência de união;
Creio nos amores e desamores que me formam;
Creio do indizível, por seu mistério apropriado;
Creio em detalhes que as palavras não revelam;
Creio em verdades e mentiras que me revelam;
Creio e tão somente creio que viver é não ter vergonha de ser feliz [5], que meu credo não consiste em palavras e tradições, mas na existência preconizante que me transforma a cada dia.



[1] Trecho da música Téo e a Gaivota, de Marcelo Camelo.
[2] Fazendo menção da frase de Friedrich Nietzsche: “Eu somente acreditaria em um Deus que soubesse dançar”.
[3] Citando Vinícius de Moraes. Soneto na Fidelidade.
[4] Frase em latim que significa: aproveite o dia.
[5] Parafraseando Gonzaguinha em sua música, O que é, o que é?

OBS: Extraído do blog da jujuba: jujuba-pensoeescrevo.blogspot.com

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Cultura de Massa


À maneira da... Seguridade Social

O contínuo do INSS estava satisfeito, assobiando feliz, em sua cozinha suburbana, preparando carnes e temperos pruma macarronada que oferecia, nesse domingo, aos amigos. De repente, a mulherzinha dele, ao entrar na cozinha, reparou que ele estava escondendo uns pacotes de macarrão atrás da geladeira.
- Pra que você está escondendo esse macarrão? - perguntou a mulherzinha.
– Não é nosso? Não foi comprado com nosso dinheiro?
O contínuo respondeu apenas:
- Treinando.

MORAL: NINGUÉM SOBE SEM NOURRAU.

OBS: Extraído de Fábulas Fabulosas do jornalista Millô Feranandes.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Entulharam teu poço? Cave outro.


Vocês já leram o texto de Gênesis 26.12-28? Veja que coisa chata. Isaque recava os poços herdados de seu pai (Abraão) e os invejosos filisteus os reentulham com areia. O chato é que os nomes dos poços, por si já contavam a história: o primeiro se chamava Eseque (do hb. Contenda), Sitna (do hb. Inimizade).
A beleza dessa narrativa nos promove boas lições que poderão ser relevantes quando encaradas de forma séria em nosso contexto de lutas diárias.
Assim como toda aquela gente, temos as nossas lutas. Cavamos nossos poços para obter água como possibilidade de saciar a nossa sede símbolo de nossas carências. Assim como aquela gente, lutamos e sonhamos esperando que as coisas dêem certo.
O desejo de produção é natural, por exemplo: - nos alimentamos pra ficar fortes; - trabalhamos para produzir; - estudamos para aprender a produzir melhor. Ou seja, a produção exige trabalho e o trabalho dignifica o homem.
Gosto do texto da Bíblia de Jerusalém que diz assim: “Isaque semeou naquela terra e, naquele ano, colheu o cêntuplo. Iahweh o abençoou e o homem se enriqueceu, enriqueceu-se cada vez mais, até tornar-se extremamente rico”. E, se observarmos a sequencia dos verbos (semear, colher, abençoar, enriquecer, tornar), podemos entender que uma vida abençoada está diretamente entrelaçada pelo trabalho do homem em parceria com Deus. O homem semeou e colheu sob a bênção de Deus.
O livro de Eclesiastes que nos incentiva a tirar os olhos da produção do trabalho para curtir essa produção (Ec 9.7-10). O sábio tem razão, pois tanta gente se esmera no trabalho, produz tanto, mas não se delicia nesse fruto de seu trabalho. Talvez seja por isso que algumas pessoas que se tornaram desnecessárias em suas próprias casas por causa do azedume contraído pelo obcecado trabalho. O trabalho não pode tomar o tempo necessário do diálogo, lazer e afeto. O trabalho é bênção e não como mal. É dom divino e não caminho de amarguras relacionais, como se a única coisa com importância fosse o fruto do trabalho. Então, minha gente, não deixemos que o nosso trabalho se transforme em via de escape de nossas próprias inabilidades para com quem amamos.
Mas, (in)felizmente, no trabalho, nem tudo é tão fácil. Já pensou! A gente planeja, luta, trabalha para conquista algo, consegue “cavar um poço” e, vem um gaiato e entulha! Dá pra você? Você já teve essa experiência de cavar um poço e vir alguém e entulhá-lo? Conquistar um espaço, uma posição, uma aquisição e, encontrar um invejoso que vem carregado de negatividade e, de forma aberta ou dissimulada luta para arruinar seu sonho, conquista, realização? Para quem não sabe, o objeto de inveja que é tirado não serve para o invejoso. A luta do invejoso é sempre inglória.
A questão de Pv 27.4 (“..., mas quem consegue suportar a inveja?”) nos faz compreender como a inveja faz mal. Com a inveja os laços se destroem. Alguns personagens bíblicos foram alvos de inveja. Abel foi morto por seu próprio irmão, Abraão e Isaque tiveram seus poços entulhados, José foi vendido por seus próprios irmãos, Moisés e Arão foram invejados pelos filhos de Coré, Davi foi invejado por Saul por causa da receptividade do povo, Jesus foi alvo de inveja pelos sacerdotes diante de Pilatos, etc. Com a inveja, até o fruto invejado parece perder o sabor. A Bíblia nos convida a servir “uns aos outros”. O mundo precisa ver em nós pessoas diferentes que buscam produzir o bem ao próximo.
Em Pv 14.30, o sábio nos aponta dois caminhos antagônicos:o caminho da inveja que “apodrece os ossos” e o caminho de um “coração em paz” que gera “vida ao corpo”. Cada um de nós precisa administrar seu sentimento de forma que assuma as conseqüências dessas escolhas: Inveja ou paz. Eu já fiz a minha escolha!
Outra coisa, quem entulha o poço alheio deseja vê-lo desistir de lutar, mas você não tem que reagir de acordo com essa expectativa. O invejoso trabalha espera que você desista, espera que você saia da esfera de sua insegurança. O invejoso povo filisteu entulhou os poços de Isaque na tentativa de forçá-lo a sair de suas cercanias geográficas, mas ele não cedeu a essa expectativa, antes continuou cavando, o problema é que na sua teimosia, cavou os mesmo poços. Você se lembra dos nomes com significados de contenda, inimizade? Pois é, a verdade é que nem sempre as coisas que perdemos voltam a ser nossas, mas e daí? Se a expectativa do invejoso é me derrubar, ele nem imagina que posso ver nessa luta contrária a mim, uma motivação que pode me tornar mais forte, mais resistente e mais corajoso. Só não devo é colocar os mesmos nomes que me remetem a maldade antiga, mas buscar outras alternativas que me garantam possibilidade de mudança pra melhor. Foi o que Isaque acabou fazendo, ele cavou novo poço em um vale e achou água boa e lhe deu um nome significativo: Reobote, que é alargamento, espaços livres. Essa bela narrativa nos motiva a seguir em frente apesar das tentativas dos invejosos.
Vocês conhecem a ilustração do cachorro que foi atropelado e dado como morto? Pois é, algumas pessoas o colocaram numa vala e começaram a jogar areia para enterrá-lo, mas o cachorro não estava morto e acordou com a areia entrando por suas orelhas. Ele sacudiu a areia que acabou se tornando um batente para escapar de ser enterrado vivo.
Isso pode ser bem parecido com nossas dores quando jogam areia em nossos sonhos, entulham nossos poços, mas que temos ai a possibilidade de sairmos exatamente usando nossa coragem de enfrentar a areia que nos jogam. Somos e devemos nos ver como mais forte do que aquilo que nos fazem de mal. Quem sabe é para mim e para você hora de levantar a cabeça, sacudir a poeira e dá volta por cima, né?

terça-feira, 15 de junho de 2010

O HOMEM E SUA LIBERDADE CRIADORA


Repasso aqui parte da minha leitura do Dominique Morin em: "Deus existe?"

Durante muito tempo, pensou-se que Deus, do alto do céu, dominava o mundo e o “governava” a sua maneira. Passado, presente, futuro, tudo lhe pertencia. Ele sabia tudo, via tudo, dirigia tudo, tudo previa.
Essa maneira de encarar a ação de Deus no universo e em nossas vidas nos deixa hoje espantados. Deus não é um tirano que dirige tudo segundo suas conveniências. Ele confiou ao homem o mundo, para que aí ele viva em toda liberdade, criador de as própria história.
O homem não está sob o império de um Deus todo-poderoso, de quem seria servo e escravo. Um Deus que viria suprir as deficiências de sua existência ou as falhas de seu conhecimento. Um Deus que consolaria na infelicidade, no sofrimento e na morte, poupando-lhe de assumir suas responsabilidades.
O Deus revelado por Jesus Cristo é profundamente respeitoso do homem, de sua justa autonomia, de sai responsabilidade pessoal. Longe de querer dirigir tudo, Deus convida o homem, ao contrário, a encontrar por s mesmo os meios que o levariam à realização mais perfeita possível de suas faculdades criadoras.
Isso não quer dizer que Deus esteja desinteressado do mundo (ou que o homem deva se desinteressar de Deus), mas simplesmente que Deus permite que o homem dirija sua própria existência.
Para os cristãos, o homem se situa numa história na qual ele e Deus são ao mesmo tempo criadores e atores. Nesse novo contexto, abre-se um imenso campo de possibilidades. Ele se torna criador de seu futuro. Deus quis associá-lo a sua obra criadora par ressaltar sua própria criação. A responsabilidade do homem é, portanto, enorme: é a sua criação que dá sentido à história.
[...]
O futuro de Deus e o futuro do homem são, pois, inseparáveis, sem que isso seja um constrangimento alienante para o último. Deus dá ao homem os meios de se realizar totalmente, visto que o ama como pai e que seu poder é um poder de amor.
(extraído do livro “Deus existe?” de Dominique Morin. Ed.Loyola. págs 39-41)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

SURGIMENTO DE UMA SOCIEDADE ALTAMENTE CONSUMISTA


O consumismo está ligado à Revolução Industrial e ao poderio da produção em massa. No início da Revolução Industrial, os empregadores viam os empregados apenas como produtores de mercadorias. Porém, uma sociedade voltada para a produção em larga escala precisa dispor de um amplo mercado consumidor. Para aumentar a demanda de consumo, criou-se uma relação entre as commodities – itens de consumo que possibilitam status e prestígio – e a identidade. Como pontua o economista e sociólogo norte-americano Thorstein Bunde Veblen, no livro A Teoria da Classe Ociosa, o consumo, além de satisfazer necessidades, indica riqueza, funcionando imediatamente como evidência de status e prestígio, o que enaltece o eu do consumidor. O melhor meio de se obter um aumento do consumo é pela propaganda, pois além de trazer informações sobre produtos, ela promove um estilo de vida, criando assim um novo produto – o consumidor.na opinião de vários sociólogos,filósofos e economistas, é assim que a sociedade molda nossas escolhas, preferências e desejos. A sociedade é construída em função dessa premissa, centrada no eu, que por estar sempre em busca de compensações é facilmente seduzido pelas propostas que recebe. O eu cai então em um vazio existencial, tentando satisfazer seus anseios por meio de uma tetralogia niilista construída de hedonismo, consumismo, permissividade e relatividade.
A conclusão que chegamos é que a sociedade contemporânea se caracteriza por uma valorização do comportamento hedonista, com a busca do prazer aqui e agora, oposto à ascese religiosa, colaborando para o desenvolvimento de tipos narcisistas e egoístas de personalidade. Enfim, o consumismo se torna um elemento fundamental para o eu moderno construir sua identidade. O principio de Descartes – “penso, logo existo” – para a ser “compro,logo existo”.
[...]O consumismo é preocupante também entre os cristãos. Ao valorizar a aquisição de bens, a teologia da prosperidade transmite a idéia de que, se a pessoa está em Cristo, ela pode consumir, como demonstra o sociólogo da religião Ricardo Mariano. A máxima de Descartes, que havia passado para “compro, logo existo”, passa a ser agora “oro, logo adquiro”, ou “determino, logo compro”! Seja como for, a ênfase está no eu narcisista e não na fé cristã genuína. Em relação a esse tipo de consumismo narcisista entre os cristãos, o que percebemos é que o mundo evangélico brasileiro está se tornando um mercado específico.


Por Cláudio Antônio Cardoso Leite - retirado do Livro: "FÉ CRISTÃ E CULTURA CONTEMPORÂNEA" da editora Ultimato (págs. 198-200).

sexta-feira, 30 de abril de 2010

OS DESAFIOS DO SAGRADO


Deus é um contador de história, ou se preferir, estória. Falo assim porque a cada história dá-se a oportunidade ou desafio de mudança. O Espírito é dinâmico e como tal nos motiva a funcionar, a nos mover na vida e sempre na pretensão de crescer.
Não é difícil ver o Deus da Bíblia presente em Jesus e em cada história de seus amados. Essas composições bíblicas nos aproximam da realidade do Emanuel (Deus conosco) presente também em nossos eventos rotineiros.
Assim como Jesus se aproxima dos barcos dos pescadores (Lc 5.1-11), se aproxima de nossa realidade de vida e em nosso ambiente de trabalho e relacionamentos. Isso é verdade, por mais que esses eventos estejam carregados de desventuras, assim como aqueles pescadores desventurados que passaram a noite pescando e agora estavam lavando as redes sujas resultado de uma noite de pescaria sem pescado.
Caminhando por esse texto penso nos possíveis desafios da parte de Deus que nos quer bem. Esse Deus na pessoa de Jesus deseja ardentemente nos promover a uma vida de crescimento e, penso que dá pra gente tirar algumas conclusões de como isso acontece, não como regra, mas como possibilidade:

Em primeiro lugar somos desafiados a abrir espaço para que o sagrado se manifeste. Logo nos primeiros versículos de Lc 5 vemos Jesus sendo pressionado por uma multidão ávida por uma palavra de sua boca. O que Jesus faz? Entra em um dos barcos (o de Simão) e pede para que o afaste para que de lá ensine ao povo. Ora, a carência de se ouvir uma palavra é evidente, bem como a carência de espaço para o sagrado em muitos ambientes e níveis da história humana. Há carência de abertura de espaço em muitas ambiências universitárias, empresas dentre tantas. O que aconteceu com Simão foi um desafio a abrir espaço para que uma palavra de esperança soasse de forma abençoadora. Isso aconteceu de dentro de um barco cuja história foi inglória. Até parece que Deus escolhe os mais carentes para, a partir daí trabalhar sua bondade e esperança. Simão foi testemunha da palavra de esperança para aquela multidão. Foi ele quem abriu esse espaço e de lá a palavra surgiu.

Em segundo lugar o desafio passa da abertura do sagrado aos outros para a abertura para o sagrado de forma mais particular. Veja que há um monte de gente que abre espaço para sagrado para o filho lhe indicando a agenda de uma igreja ou incentivando à oração e leitura da Bíblia. Alguns maridos chegam a lembrar à esposa da agenda de um evento da igreja, vai deixá-la na igreja ou em um evento sagrado fora do templo. O problema é que essa abertura vai abençoar ao outro assim como Simão abençoou a multidão. Isso garante o sagrado para os outros enquanto, apesar de se conquistar um possível título de amigo do bem, do sagrado ou do evangelho, esse é um envolvimento indireto (para os outros) e não direto (para si mesmo). Lucas disse que Jesus se dirige diretamente a Simão, lhe chamando pelo nome lhe pedindo um envolvimento de abertura do sagrado para seu nível pessoal. No termo: “Simão, vá para as águas mais fundas” está inserido a proposta de um envolvimento pessoal. Uma oportunidade de abertura de coração para o sagrado. Isso indica que na relação com o sagrado, o marido, tanto quanto a sua esposa deve ser desafiado a abrir espaço para o sagrado. Assim, os pais devem abrir espaço para o sagrado também para eles. Não é, “faça o que eu digo que é melhor para você”, mas, “façamos todos, nos envolvamos com o sagrado que é melhor para todos nós”. É importante ter a mesma agenda relacionada ao sagrado e todos participarem da fé individual e comunitária.

Em terceiro lugar há o desafio de conhecer a pessoa de Jesus mais do que os conceitos sobre ele. Veja que o versículo 5 diz que Simão respondeu a Jesus: “Mestre, nós nos esforçamos a noite inteira e não pegamos nada. Mas, porque és tu quem está dizendo isto, vou lançar as redes”. Logo mais Simão se tornará discípulo de Jesus, mas nesse momento ainda não é. Ele reconhece Jesus como “Rabi” ou “Mestre” e, por isso lhe obedece. É como se dissesse: “Mestre, quem é pescador aqui somos nós. E, como tais, passamos a noite tentando e nada pegamos, mas como sabemos que és mestre, e como tal te reconhecemos, faremos o que nos diz, afinal, todo judeu deve obediência aos mestres”. Então, eles obedeceram Jesus, não por imaginar a possibilidade de uma pesca lucrativa, nem por serem discípulos (ainda não são), mas como obedientes culturais aos mestres. Enfim, quando lançam as redes, tomam um baita de um susto quando percebem a maravilha da pescaria. É então que Simão percebe que Jesus é mais do que um simples mestre que exige obediência. Esse Jesus é alguém especial. Para Simão, Jesus agora é reconhecido, mais do que como a uma divindade, como a uma deidade. Ele é Deus. É por isso que se dobra a essa revelação e diz: “Afasta-te de mim, não sou digno... sou um pecador”. Isso nos diz que quando descobrimos em nosso coração quem é Deus, descobrimos também quem somos. Agora Simão, bem que poderia escrever um livro de “auto-ajuda” sobre “como se tornar um sucesso na pescaria, segundo Jesus”. Na verdade, ele percebe que conhecer Jesus é bem melhor que aprender algo sobre ele. Nosso desafio é mais do que seguir o exemplo do mestre. É reconhecê-lo como é em sua deidade. Então, mais do que apontar o caminho, ele quer ser o caminho; mais do que apontar a verdade, ele quer ser reconhecido como a verdade; e, mais do que apontar a vida, ele deseja ser sua vida.

Por fim, o próximo desafio é viver uma nova dimensão de vida. Os versículos 10 e 11 falam desse desafio: “Simão, não tenha medo; de agora em diante você será pescador de homens”. Eles então arrastaram seus barcos para a praia, deixaram tudo e o seguiram. Por “nova dimensão” digo do desafio e da beleza de, diante de toda essa experiência com o sagrado, viver um novo sentido de vida dentro da realidade de sua história e de todos os eventos comuns (pescaria, no caso de Simão). É o mesmo que dizer: “Sê tu uma bÊnção!”. Seja uma bênção em seu trabalho e faça dele uma bênção! Faça de seu novo estilo de vida uma oportunidade de abençoar e promover o bem para que pessoas sejam alcançadas pela bondade de Deus. Veja que quando eles deixaram tudo e o seguiram, não o fizeram de forma irresponsável, mas que todo o reconhecimento de riqueza teria novo sentido. A bênção, mais do que o sucesso no trabalho, seria a beleza de contar com Deus em todo o processo de vida.

Esse é nosso desafio como filhos e filhas de Deus. Tudo se torna secundário diante da presença de Deus em nossas vidas. A maior riqueza de vida está na caminhada com esse Deus que se revela no nosso barco, ainda que em desventura, mas com a possibilidade de transformação total e abençoada tanto como abençoadora. Esse é um novo sentido de vida que transforma um coração amargurado pelas desventuras da vida em novas e tremendas possibilidades que ultrapassam os conceitos de sucesso mundano e triunfalista. Claro que é bom ter dinheiro, bens, etc., mas nada como em todo processo de vida podermos perceber Deus e sua bondade transformadora.

Josué

quarta-feira, 31 de março de 2010

O PAI PRÓDIGO DE AMOR


Jesus contou uma parábola registrada no evangelho de Lucas que trata da saga de um pai que é pródigo de amor e bondade. Ele conta que um pai vive a experiência de receber um de seus filhos para uma prestação de contas. O filho mais novo lhe pede a parte que lhe cabe da herança, dizendo que vai embora, e, se a herança seria dele mesmo, não havia motivo para esperar até que seu pai se fosse, afinal ele estava precisando daquela herança era naquele momento.
O que se espera é que o velho pai usasse de sua posição de autoridade para dizer não àquele filho insolente. Mas ele surpreende consentindo e lhe dando a parte que lhe cabia da herança.

Uma fala atribuída a Voltaire (1694-1778) diz: “Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las”. Uso essa colocação para dizer que há um monte de gente, que independente da gente, pensa e reage de forma bem diferente de tudo aquilo que poderia pensar, dizer, agir, reagir. Em outras palavras ou a gente cria uma margem de possibilidades de surpresas ou vai precisar se aprontar para sofrer muito, porque os filhos, cônjuges, pais, amigos, clientes, pacientes surpreendem positiva ou negativamente.

O filho realmente foi embora para um lugar distante. Lá desperdiçou toda a sua herança vivendo irresponsavelmente. Ele acabou experimentando o sentimento da perda, não somente de seus bens, mas das pessoas que estavam sempre com ele. Ele percebe que as facilidades não são chaves perenes. Nesse tempo, o garoto além de experimentar a fome, coisa impensável para ele, se ver obrigado a mudar de ramo. Ele, que já havia sido fazendeiro, agora tinha que lidar com porcos, não como dono, mas como cuidador.
Numa hora de cesta, depois de se obrigar a partilhar da comida dos porcos, um momento de reflexão acontece na sua mente, e ele trás à memória sua vida na casa do pai e decide retornar pedindo perdão a seu pai. Foi aquele sentimento de mea culpa! Ele percebe que tudo foi uma precipitação, e agora estava arcando com as consequências. Assim como esse garoto, dificilmente não se paga caro uma precipitação.
O fato é que ele se lembra da casa do pai; e nesse instante, o que vem ao coração do garoto não foi a cama quentinha com lençóis limpos ou a riqueza do pai. Não tinha a ver com coisas, tinha a ver com gente. Era seu relacionamento com o pai que lhe fazia mais falta. Sua argumentação foi de relacionamento, não de funcionalidade.

Foi o seu tempo de descobrir que bons relacionamentos não devem ser capitulados, mas nutridos durante toda a vida.
Procurem se lembrar das coisas que aconteceram em períodos passados que representaram uma vida. Nesse período se construiu uma história que não devia ser capitulada. Esses casos devem ser adubados com encontros, telefonemas, e-mails, fotos em painéis, etc., nunca capitulados de forma insensível.

Quando o garoto volta pra casa, encontra seu velho pai de braços abertos e cheio de amor, o que nem lhe deixa tempo para explicações demoradas. Aquela casa estaria em festa. O perdão estava no ar.

Seu irmão não estava em casa, mas logo chegaria. Não chegou. Seu pai vai a seu encontro e descobre que ele não deseja participar da festa de seu irmão. Outra surpresa para o velho pai. Agora, quem surpreende é o filho mais velho.
“Ora”, diz o filho chateado, “desse jeito o senhor está valorizando a atitude irresponsável do garoto!”.
O coração do pai sofre esse evento descobrindo que quando seus filhos vieram a sua presença, um filho vai embora e o outro fica. Ambos pareciam resolvidos. Agora descobre que o filho que ficara em casa, apesar de ser valente no exercício do trabalho, era covarde em relação a tomada de decisões. O filho que voltou acabou conhecendo o coração bondoso de seu pai, enquanto seu irmão, não tinha saído de casa, ou deixado seu pai sozinho, mas ele, o filho mais velho não ficou resolvido. Havia permanecido todo o tempo com essa pendência mal resolvida. Conhecia todo o serviço da casa, mas não conhecia o coração de seu pai. Seus fantasmas não se extinguiram com o labor diário. Precisava de ajuda! Isso parece muito com a expressão davídica que diz: “Enquanto calei, meus ossos se secaram”.

O que faz o velho pai? Ele abre espaço para que o filho mais velho também se aproxime e tenha a oportunidade de sair curado daquele encontro. Nesse caso, a possibilidade de cura só acontece quando há exposição da alma.

É interessante perceber que o pai recebe de coração aquele que resolve voltar, enquanto trata do coração daquele que não está bem resolvido. Esse é o pai pródigo de amor. É misericordioso na raiz da palavra. Ele põe seu coração (cárdio) na miséria (miseris) dos filhos num desejo ardente de perdão e reconciliação.
Esse pai figura o Deus maravilhoso da Bíblia que busca receber e tratar dos corações dos filhos e filhas que se perdem de si e da vida. Ele abre seu coração dá oportunidade para que falemos nossas misérias, nossas queixas.
Ao final dessa parábola, o filho que retorna à casa do pai, é recebido em festa, mas é preciso atentar para o detalhe que não há como dizer que o outro filho tenha se votado para a casa em festa. E, eu creio que isso diz respeito ao chamado de Deus que só quem pode responder sou eu, ou você.
Ele já deu seu recado. Há festa na casa e tem gente aproveitando. Tem gente se divertido livremente. Em outras palavras, só falta você responder ao seu chamado de amor. É sua vez, é sua voz. A escolha é sua, somente sua!

quarta-feira, 10 de março de 2010

PAZ E DESARMAMENTO


Li o livro UMA ÉTICA PARA O NOVO MILÊNIO do Dalai Lama e resolvi compartilhar alguns de seus pensamentos para que possamos refletir juntos.

Estou convencido de que a principal razão para as pessoas acharem que o caminho da não-violência é pouco prático deve-se ao fato de que parece não adiantar nada enveredar por ele, pois a sensação é de desânimo.
A paz não é algo que existe de modo independente de nós, a guerra também não. [...]. A paz do mundo depende da paz do coração das pessoas. O que, por sua vez, depende de todos nós praticarmos a ética, disciplinando nossas reações aos pensamentos e emoções negativos e desenvolvendo qualidades espirituais fundamentais.
Se a verdadeira paz é algo mais profundo do que um frágil equilíbrio baseado em mútua hostilidade, se em última análise depende da resolução de conflitos internos, o que dizer da guerra? Apesar de, paradoxalmente, o objetivo da maioria das campanhas militares ser a paz, na verdade a guerra é como um incêndio na comunidade humana, um incêndio cujo combustível são pessoas vivas. [...] Deixamos de reconhecer que a fria crueldade e o sofrimento são a verdadeira natureza da guerra.
A triste verdade é que fomos condicionados a encarar os procedimentos de guerra como algo excitante e até glamouroso: os soldados marchando com uniformes vistosos (tão atraentes para as crianças), com suas bandas militares tocando ao lado. Apesar de vermos o assassinato como algo terrível, não associamos a guerra com a criminalidade. Pelo contrário, a guerra é vista como uma oportunidade para as pessoas provarem a sua competência e a sua coragem. Falamos sobre os heróis que a guerra produz quase como se o heroísmo do indivíduo fosse medido pelo número de indivíduos mortos. E falamos sobre essa ou aquela arma como uma invenção tecnológica maravilhosa, esquecendo que será usada para mutilar e matar pessoas vivas. Seu amigo, meu amigo, nossas mães, nossos pais, nossas irmãs e nossos irmãos, você e eu. [...].
Mas, para que não se imagine que a paz depende apenas do desarmamento, cabe ainda lembrar que as armas não agem sozinhas. Apesar de serem inventadas para matar, não causam nenhum dano físico enquanto estão guardadas nos depósitos. Alguém tem que apertar o botão para lançar um míssil ou puxar um gatilho para dar um tiro. Não é nenhum “poder maligno” que faz isso. São os homens. [...].
É querer demais que todas as armas sejam eliminadas, pois, afinal, até nossos punhos podem ser usados como armas. E haverá sempre grupos de desordeiros e fanáticos para perturbar os outros. Temos que admitir que, enquanto existirem seres humanos, será necessário encontrar maneiras de lidar com os canalhas. Cada um de nós tem uma função a cumprir nessa questão. Quando nos desarmarmos internamente – refreando pensamentos e emoções negativos e cultivando qualidades positivas-, criamos condições para o desarmamento externo. A paz mundial genuína e duradora só será possível como resultado do esforço interno de cada um de nós.

Dalai-Lama (Uma ética para o novo milênio – Ed. Sextante. Págs 150-154)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

MATUTANDO SOBRE A VIDA E SOBRE DEUS


Eu estava matutando nesses dias sobre tudo o que tenho lido, meditado, e vivido nesses turbulentos anos de ministério no que diz respeito às tantas catástrofes, violência urbana, corrupção e descaso para com os mais fragilizados e carentes.

Tenho recebido pessoas tão carentes e tão sufocadas que me parece refletir a imagem de alguém cuja oportunidade de superação esperada com esforço por muito tempo é passada a vez por causa de outro com mais força e habilidade que, naquele momento não respeita a dor o mais necessitado ou visa a resposta egoísta em detrimento da carência coletiva. Afinal outra pessoa consegue perceber ou até preconizar onde e quando as águas são agitadas pelo anjo. Os outros que se danem.

Isso também pude observar no esforço da tanta gente querendo ajudar ao povo sofrido do Haiti enquanto alguns insensíveis se acham no direito de desviar alguns recursos em nome de uma necessidade nem de longe emergencial. Sem falar da dor que sentimos nos casos absurdos de pessoas que matam a granel. É evidente a desumanidade à flor da pele humana.

Nesse momento oro, não mais ao Deus da minha consciência infantil que me parecia o super-homem pronto a me defender das aflições das garras do mal; nem mesmo oro ao Deus de minha consciência juvenil que parecia me garantir o céu após esse tempo de dor.

Lembro que meu pai era o meu super-herói, totalmente capaz de resolver todas as questões. “Vou dizer ao meu pai! Ele resolve isso rapidinho!”

Cresci e com isso minha relação com a vida e com meu pai. Enquanto isso, a categoria de super-herói de meu pai foi abrindo espaço para outro entendimento. O meu pai não era meu super-herói porque resolvia tudo, mas porque me amava e estava sempre disposto a me escutar as lamúrias infantis razoáveis. Com o tempo fui aprendendo que ele não era o todo-poderoso na categoria que imaginava, mas que sua verdadeira força de todo-poderoso estava em sua capacidade de se baixar e conversar comigo olhando nos olhos e revelando sua autoridade que se baseava no esforço de me tornar homem maduro e me conduzir à responsabilidade diante da vida. Toda a idéia de compensação de minha mãe; aliás, nossa mãe tem esse jeitinho de conquistar. Toma no colo e diz que depois a mãe vê isso, depois a mãe recompensa. Mas, toda essa beleza de relacionamento é um esforço de nos tornar homens e mulheres capazes.

Quando oro, me debruço sobre os textos sequentes das Escrituras, e percebo que isso também acontece na minha relação com Deus. Diferente do de um super-homem, ele não aparece para resolver, mas como um pai maravilhoso resolve passar todo o tempo conosco em amor nos ajudando em nossas crises, enquanto propõe aos da família se juntarem a ele nesse propósito que torna todo filho e filha dignos e dignas. O poder do Pai está na prodicidade de seu amor que desafia-nos ao envolvimento.

Então, como a força do meu pai, que não deixou de ser grande, a força de Deus está em se projetar nos filhos, enquanto nos desafia a viver intensamente essa parceria. Claro que meus devaneios não respondem às tensas questões das demandas da vida, mas sinceramente para mim o caminho se torna mais claro ao perceber Deus nas lágrimas de um bombeiro que segura a mão de uma sobrevivente ainda debaixo dos pesados escombros dos desastres cegos da vida.

Deus não parece menos Deus quando se reflete no pequeno. Que diga isso a encarnação de Jesus. Deus não parece menor porque supostamente não resolve as coisas de acordo com a nossa cartilha. Que diga a sua atitude, que parece com a nossa, diante da cruz quando se debate em lágrimas sem perceber a presença do Pai.

Deus é lindo e maravilhoso, não porque é capaz e esperado como resposta mágica aos conflitos de uma sociedade narcisista e egocêntrica. De certa forma, acabaríamos reclamando o porquê tanta necessidade de oração a cada vez que sofremos em vez de vermos uma operação do todo-poderoso em erradicar o mal ainda em nossa vida aqui com as habilidades correntes, e não somente quando houver súplica diante de um episódio que acaba conflitando com o quadro macro da sociedade.

Deus é lindo e maravilhoso porque em meio a tanta dor, aflição e desconforto, nos trata com amor e dignidade. Enquanto sofre com os sofridos dispondo-lhes força consoladora e resiliente, convida a todos para se engajarem nesse projeto de transformação da criação.

Josué

domingo, 31 de janeiro de 2010

O DESAFIO DE RECOMEÇAR




Desde cedo ouvi a bela história de Noé. Hoje vejo que ainda estou aprendendo com ele arte de recomeçar a vida.

A narrativa bíblica de Noé além de interessante é rica em lições apropriadas à perspectiva de uma vida com Deus diante do desafio de seguir adiante.

Sua história se inicia com um testemunho de Deus sobre sua fidelidade e segurança em Deus. O dilúvio havia consumido a vida. A arca era sua realidade naquele instante. Ele precisava sair para reconstruir sua vida e de sua família, mas como?

Creio que Noé entendeu algumas nesse ínterim.



O tempo não tem que ser seu inimigo, mas deve ser reconhecido como seu aliado.

A bíblia diz que “Deus se lembrou de Noé” e o processo começou. Deus não usou (e não usa) seu poder para fazer as coisas pertinentes aos homens de forma instantânea. Ele sabe que precisamos de tempo. Sabe que o instantâneo nos torna superficiais. Isso se aplica aos estudos, declarações de amor ou ódio, nomeações profissionais, títulos, etc. O instantâneo pode parecer bom, mas não é de fato. Deus sabe que você precisa de tempo para assimilar a vida com todas as suas demandas. Isso é preciso ser levado a sério. Recomeçar pode ser um processo lento. Isso demanda tempo, e o tempo é seu aliado, não seu inimigo.



Não se deve tomar decisão antes de uma contemplação.

Observe que Noé (v.6) abre a janela do alto da arca. Nesse momento, a arca era sua realidade existencial e momentânea, não perene. Seu novo tempo não poderia se resumir à arca. Noé ousa e toma algumas precauções. Ele abre a janela e não a porta. A janela ficava na parte alta da arca.
A melhor realização é aquela que é precedida pela contemplação. Antes da realização, é necessário vislumbrar, logo, tomar alguns cuidados, sondar o terreno. Em outras palavras, é preciso ficar de olho naquilo que nos rodeia de forma que não nos precipitemos. Quem sabe não foi por isso que Noé, antes de sair da arca, solta algumas aves aguardando algum sinal para sair para uma nova realidade de vida fora da arca. Quer tomar uma decisão, verifique o tempo, antes de agir, de fato. Mas cuidado. Não se doe num projeto que não consegue vislumbrar. Abra uma janela antes de sair à porta.



Cuidado com os recursos que decide usar.

A próxima ação de Noé é soltar um corvo (v.7). Nem tenho idéia porque Noé usa o corvo para lhe trazer um sinal, já que essa é uma ave com hábitos necrófagos. O corvo zig-zaguea e não define uma resposta para Noé. Nesse resultado impreciso, Noé percebe haver tomado uma decisão errada, por isso ele decide usar outro recurso – soltar uma pomba. Isso pode ser uma lição para termos o devido cuidado em nosso planejamento. Cuidado com que (ou quem) contamos. Claro que isso também denuncia nossa limitação e possibilidade compreensível de errarmos em algum ponto que não corresponde com o melhor para nós. É fácil haver precipitação e acabarmos contando com algo ou alguém que não nos levarão a lugar algum. Muitos tomam decisões sem pesar as conseqüências. Precisamos tomar cuidado com essas coisas. É melhor darmos um tempo para fazermos as coisas com menores chances de erro.



Valorize a espiritualidade em toda a sua caminhada.

É importante perceber alguns detalhes. Para Noé, passar tanto tempo dentro de uma arca cheia de animais, mau cheiro, trabalho pesado, e escravo da situação era uma realidade existencial momentânea, não perene. Aquela era a sua realidade, mas ele sabia que poderia ser bem pior se estivesse do lado de fora. Muitas vezes o jardim do outro é mais belo do que o nosso. A vida do outro parece ser melhor do que a nossa. O outro parece ser bem mais próspero do que nós.

Noé sabe que apesar de tudo parecer tão difícil para ele, Deus lhe inspira através da percepção de sua presença. Noé se planeja, toma algumas decisões (corvo e pombas), mas lhe parece claro que Deus lhe fala no v.15: “Hora de sair dessa arca, Noé”. Em outras palavras: - “Noé, você se sente salvo dentro da arca, mas você precisa avançar para novos horizontes”. Ou inda poderia ter sido: “Noé, se você acha que lhe aconteceu um milagre por ter vencido o dilúvio, saiba que o milagre, antes de ser um benefício é um chamado à parceria e ao trabalho. Na verdade é uma responsabilidade”.

O v. 15 Noé é convidado a unir força comunitária familiar para se expandir.

O que está acontecendo com Noé? Ele está tendo a oportunidade de dar novo sentido à sua vida, agora fora da arca.

Um novo ano não é somente mais um ano, é também um chamado a sair da arca do comodismo. Isso se aplica à vida profissional, aos estudos, à vida com Deus em todos os níveis da existência.
O v. 20 diz que, logo que Noé sai da arca, constrói um altar. Aqui parece haver um belo sinal para quem deseja recomeçar bem.

O ideal é não esquecer Deus no caminho da vida. Apesar de isso não ser garantia que você vai acertar em tudo na vida, já que as decisões são sempre arriscadas, podemos conferir a beleza de poder contar com Deus em nossa caminhada. Noé foi alguém que não acertou em tudo, mas com certeza sinalizou uma vida com Deus.

Uma vida recomeçada em Deus não é uma vida livre de percalços, livre de dores, livre de possibilidade de erros... vida recomeçada em Deus significa que buscamos incorporar seus atributos de amor e justiça, para seguirmos um caminho de maior dignidade.

Noé e os seus sabiam que recomeçar não seria fácil. Essa tarefa não caberia a Deus, mas a eles.
Eles já tinham, assim como cada um de nós, a força e a capacidade necessárias para vencer cada etapa da vida.

Com isso ouso dizer que, se pra vencer 2010 houver a exigência de coragem, força e fé, 2010 já é nosso, porque Deus já nos recheou dessas graças.

Acredite – é possível vencermos os obstáculos desse novo ano.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

"O PASTOR CONTEMPLATIVO"


Acabei de ler “O Pastor Contemplativo” de Eugene Peterson.

Algumas pérolas do livro:

- Jesus, O Subversivo – Jesus foi o mestre da subversão. Até o fim, todos, inclusive os discípulos, o chamavam de rabi. O rabis eram importantes, mas não faziam nada acontecer. Nas ocasiões em que houve suspeitas de que talvez ele fosse mais do que o título apontava, Jesus tentou manter as coisas em segredo: “Nada diga a ninguém”.

A forma de discurso favorita de Jesus, a parábola, é subversiva. As parábolas parecem histórias absolutamente comuns, casuais, sobre solo e semente, refeições, moedas, ovelhas, bandidos e vítimas, fazendeiros e comerciantes. Elas são também inteiramente seculares: dentre as cerca de quarenta parábolas registradas nos evangelhos, só uma tem como ambiente a igreja e só duas mencionam o nome de Deus.

Quando as pessoas escutavam Jesus contar essas histórias, vivam imediatamente que não eram sobre Deus e que não continham nada que ameaçasse a suposta soberania delas. Então baixavam a guarda. Embora perplexas, iam indagando qual o significado das histórias, que ficavam gravadas em sua imaginação. Mais tarde, como uma bomba-relógio, elas explodiam em seus corações desprotegidos. Um abismo se abria a seus pés. Ele estivera falando sobre Deus; eles tinham sido invadidos.

Jesus continuamente lançava histórias estranhas ao longo das vidas normais (para – “ao longo de”; bole – “lançar”) e se retirava sem explicação ou apelos. Os ouvintes começavam, então, a ver as ligações, as conexões de vida, de eternidade. A própria falta de clareza, a diferença, eram estímulos para perceber a semelhança: semelhança com Deus, semelhança com a vida, semelhança com a eternidade. Mas a parábola não realizava o trabalho – ela fazia a imaginação do ouvinte trabalhar. As parábolas não são ilustrações que facilitam as coisas, pelo contrário, elas se não tivermos cuidado, acaba se tornando o exercício de nossa fé.

As parábolas atravessam subversivamente nossas defesas. Dentro da cidadela do “eu”, podemos esperar uma mudança de estratégia, um brandir súbito de baionetas que resulte num golpe contra o palácio. Mas isso não acontece. Nossa integridade é respeitada e preservada. Deus não impõe sua realidade de fora para dentro; ele faz crescer flores e frutos de dentro para fora. A verdade de Deus não é uma invasão alienígena, mas um romance amoroso em que detalhes comuns de nossa vida são tratados como sementes cultivadas para nossa concepção, crescimento e maturidade no Reino.

As parábolas confiam em nossa imaginação, ou seja, em nossa fé. Elas não nos arrebatam paternalmente para uma sala de aula onde as coisas são explicadas e diagramadas. Não nos colocam em regimentos onde nos encontramos marchando a passo de ganso moral.

É difícil descobrir um detalhe sequer na história do evangelho que não fosse negligenciado na época (e ainda hoje) por ser improvável, desprezível, comum e considerado ilegal. Sob a superfície do convencional, porém, e por trás do cenário de probabilidades, cada um daqueles detalhes estava efetivamente inaugurando o Reino: gravidez ilegítima (como foi suposto), nascimento na manjedoura, silêncio em Nazaré, trabalho secular na Galiléia, curas no sábado, orações no Getsêmani, morte como criminoso, água batismal, pão e vinho. Subversão.

(Extraído de "O PASTOR CONTEMPLATIVO - Descobrindo significado em meio ao ativismo", um livro de Eugene H. Peterson. págs 40,41)