sábado, 31 de julho de 2010

NÃO APAGUE O EVANGELHO DA CRUZ


Tenho muita dificuldade de compartilhar de um culto onde a bandeira mercantilista está hasteada. Não suporto esse apelo que mais parece um canto de sereia de tão atraente que é nesse nosso veio capitalista cristão. Em vez de humildade, temperança, contrição, adoração... estamos ensinando técnicas de oração de conquista. Que tipo de gente estamos formando em nossa geração? Teríamos coragem de declarar que a igreja de hoje está gerando gente de fé? De onde veio nossa coragem de pinçar versículos que apóiam de forma inescrupulosa um triunfalismo esdrúxulo e desprovido de verdade no dia-a-dia de milhões de pessoas que se tornam presas fáceis pela avidez de seus corações ou por causa de suas carências. Infelizmente cresce o número de profetas que usam o nome de Deus para respaldar seus absurdos (pode ler abusos). Pior é que há um sufoco pelo apelo e prela pressão da necessidade de respostas que tragam luz para a demanda reivindicatória de resultados imediatistas.

O modelo da fé mercantilista em seus muitos apelos solidificados na necessidade das ovelhas carentes, que não se dão ao luxo de serem guiadas por pastores que, por sua vez não se dobram ao preço da amostra grátis da fé, promove uma ambiência satisfatória e persuasiva ao mesmo tempo paliativa, porquanto superficial e enganadora. Quem não gostaria de ganhar sete vezes mais depois de recitar uma oração mágica e fazer um depósito bancário em nome de uma instituição que garante inescrupulosamente, que coisas maravilhosas estão acontecendo? É difícil para muitos não caírem nesse apelo covarde. Isso nada tem a ver com fé. Isso nada tem a ver com Jesus de Nazaré, e nada tem a ver com o objetivo da igreja cristã.

Será que, por isso não acredito em Deus? Será que não tenho fé? Será que sou desviado? Será que fiquei cético? Claro que não. Claro que acredito no Deus da bíblia. Creio que esse Deus age como sempre agiu na história humana. Acredito num Deus que responde orações. Acredito na possibilidade de cura e na paz que enche o coração abatido. Creio na justiça para os oprimidos e providência divina que antes mesmo de cairmos na balela da luta para conquistar algo dEle, já houve um sentido de seu cuidado em relação a nós. Creio na palavra que diz que Ele já nos concedeu em sua graça toda a sorte de bênção. Somos abençoados até mesmo em nossas tribulações. Por isso há vocacionados nas mais diversas áreas do fazer humano (homo faber) que é capaz de ser parceiro de Deus na construção humana. Não consigo crer na busca materialista gananciosa e egocêntrica como prova de fé, nem na satisfação ufanista de ser filho e filha do Rei, quando por isso estou livre das surpresas da vida.

Tremo em pensar que a palavra de Deus, bem como termos gospels do tipo “Deus é fiel!”, “Deus é maior!”, sejam motivados não pelo apelo catafático de declaração positiva de quem Deus é, mas motivados apenas pelo sentimento de uso do próprio Deus em causa própria ou, pelo menos, como uma espécie de amuleto que determine a vitória e o poder de “amarrar o inimigo da minh’alma”.

A proposta cristã é a formação do caráter e da convicção de que Deus é vivo e verdadeiro em toda e qualquer situação. O problema de um cristão criado a partir do apelo gospel mercantilista é que este está fadado a viver o medo da perda pelo engodo da barganha com Deus.

Está na hora de percebermos que o cristão criado à sombra do evangelho da cruz, que a despeito das dificuldades, nunca se sente frustrado nem desapontado, pois sabe que seu Redentor vive e que por fim se levantará em sua história como resposta de restauração prometida àqueles que nascem à margem da cruz. O cristão deve saber que como filho ou filha de Deus, ainda que não haja lugar na hospedaria ele(a) não teme vir ao mundo, apesar dos conflitos, traições, abandonos, incompreensões, e, mesmo sabendo que seu próximo passo pode ser a cruz, até essa cruz pode ser palco de sua revelação de filho ou filha de Deus e, é aí onde o poder do Pai se aperfeiçoa em sua limitação humana.

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